segunda-feira, 6 de março de 2017

ENTRE O MERCADO E A DEMOCRACIA: O TSE CONFIRMARÁ A TESE DE MARX?

No debate político brasileiro, livre graças às regras da democracia, tem surgido a tese de que, mesmo que todas as provas levem a configuração dos ilícitos eleitorais apontados na denúncia contra a chapa Dilma-Temer, o TSE deve eximir-se de cassar o mandato de Temer em nome da manutenção da "estabilidade econômica", ou da "retomada do rumo da economia".

Levado a cabo esse enunciado, o que teremos é subsunção da democracia pela economia, validando, pelo menos a priori, a tese marxista de que a economia é o vetor por excelência da vida social nas sociedades capitalistas. Os interesses econômicos preponderariam sobre os demais campos de direitos e garantias, prevalecendo sobre estes quando postos em conflito. Aplicar a lei, em determinados casos, colocaria em cheque o movimento econômico e, portanto, não seria algo desejável.

Lá na famosa introdução da Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), diz o barbudo subversivo que nas sociedades capitalistas não é a lei que regula a atividade econômica, mas essa que regula e determina aquela, sendo “...a estrutura econômica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política...”(1).

Uma das mais proeminentes releitoras do marxismo da atualidade, a professora de Ciência Política na Universidade York, em Toronto, Ellen Wood, trata especificamente desse tema em um livro intitulado Democracia Contra Capitalismo (2), alertando para o movimento de supressão de direitos, liberdades e garantias democráticas provocadas contemporaneamente pela expansão do capital especulativo internacional, de um mercado que teria força natural legitimadora da sua ação.

A estabilidade da economia defendida ao custo de provocar a instabilidade democrática pode representar um risco social para o qual as consequências sejam profundamente adversas. No seu O Futuro da Democracia, Bobbio já nos alertava da inexorabilidade do respeito às regras do jogo como condição indispensável para a vitalidade da democracia. Fazer de conta que a regra não existe ou que o TSE não tem o dever constitucional de julgar o caso aplicando a regra provocaria o que convencionou-se chamar de insegurança jurídica e imprevisibilidade das expectativas de comportamento institucional. Que sociedade emergirá desse quadro é algo sobre o que temos de discutir se estamos dispostos a pagar pra ver.

O fato é que, para além de um debate teórico sobre a democracia, o que a realpolitik nos mostra é que no jogo do poder, parafraseando o poeta Accioly Neto, “ pode acontecer tudo, inclusive nada” (o não julgamento ou a não cassação), configurando mais um capítulo da surrada ideia de que, com a força avassaladora do capital, “Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado” (4).


(1) MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

(2) WOOD, Ellen Meiksins. Democracia Contra Capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2003.


(3) BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

(4) MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.




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