segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A SEGURANÇA PÚBLICA NO CEARÁ: A REBELIÃO QUE VEM DO CÁRCERE NA TERRA DA LIBERDADE


A questão da segurança pública é central na vida em sociedade. É, na base, a própria razão fundante do pacto social. Valores como liberdade, igualdade, integridade e propriedade são fortemente afetados quando a insegurança torna-se regra, tal qual sugere a atual situação no Estado do Ceará.

A garantia dos direitos básicos, sobretudo educação, saúde, moradia, transporte e emprego deve ser promovida pelo Estado junto com o direito a integridade da vida, do corpo, da honra e do patrimônio. Sem isso, o caos vai ganhando espaço no seio da coletividade. Políticas públicas de segurança não podem prescindir de políticas de garantia de direitos, que atuam na perspectiva da inclusão social e, portanto, da prevenção ao crime.

Da mesma forma,  e paralelamente, o Estado não pode deixar de dar uma resposta forte ao violador da norma, aplicando com eficácia a pena adequada ao crime cometido. Para isso precisa de polícias com capacidade investigativa (inteligência), equipes suficientes (efetivo) e instalações e equipamentos adequados (estrutura). O policiamento ostensivo e investigativo está na base da política de segurança pública, pois é através dele que o criminoso recebe a mensagem do Estado: se delinquir, será punido!

No centro, o sistema judicial precisa, tal qual as polícias de uma estrutura adequada, com promotorias, varas criminais, advogados e defensores públicos em número suficiente para atender a grande demanda da judicialização da violência, para que a lei possa ser aplicada da forma e no tempo necessário e razoável e isso, como no primeiro caso, demanda investimento.

Ainda mais, e aqui talvez esteja o ponto central da crise na Terra dos Alencar,  sem um sistema prisional minimamente adequado, a conta não fechará e o problema da criminalidade não estará sendo solucionado pelo Estado. No atual estágio dos presídios cearenses que tem capacidade para pouco mais de 11 mil vagas, mas  que contam com uma população carcerária de aproximadamente 21 mil presos, segundo dados de CNJ (Disponível em: hhttp://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87316-bnmp-2-0-revela-o-perfil-da-populacao-carceraria-brasileira),  não há expectativa de ressocialização e, dessa forma, de retorno harmônico e pacífico do apeando a coletividade. É ilusório acreditar que resolveremos a questão criminal sem resolvermos também a falência do sistema prisional – e, sem investimento, isso não ocorrerá.

O cárcere tornou-se um espaço cuja os investimentos públicos no Brasil não tiveram a devida atenção. Tanto no que se refere ao número de vagas, quanto a estrutura física e as equipes multidisciplinares de trabalho com formação específica. O resultado é que, com a onda crescente de encarceramento o sistema ficou fora do controle dos Estados e se transformou em objeto de barganha dos apenados que negociam regalias e ilegalidades de todas as ordens em troca de uma aparente tranquilidade e domínio estatal da situação. Prostituição, comercio de drogas, demarcação de territórios, uso de tv e celulares, tudo isso é prática corrente na maior parte dos presídios tupiniquim. Nessas condições, a prisão assume a condição de espaço privilegiado do crime, como aponta Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/201cas-faccoes-criminosas-sao-subprodutos-do-aprisionamento-em-massa201d/), bem como fonte inesgotável de recrutamento de novos membros dos grupos criminosos: quanto mais se encarcera jovens por delitos banais (mulas do tráfico, pequenos gatunos e picaretas envolvidos em trambiques no comércio informal, alcoólatras, gente ligada a prostituição, etc), mais contingente a disposição dos grupos criminosos se oferta – e a custo zero...

Quando o Estado sinaliza com a possibilidade de quebrar tal acordo tácito, como parece, em primeira impressão,  ser o caso cearense atual (Ver: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/segurancapublica/novo-secretario-promete-fim-da-divisao-de-presidios-por-faccoes-no-ceara/) a reação dos grupos criminosos geralmente é mandar recados às autoridades, espalhando terror social e medo generalizado através de ataques a coletivos, prédios públicos, serviços essenciais, etc (Ver matéria especial de Rafael Iandoli no Nexo: Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/18/O-que-s%C3%A3o-as-maras-gangues-que-colocam-a-Am%C3%A9rica-Central-no-topo-do-ranking-de-homic%C3%ADdios-mundial).

 É justamente isso o que está acontecendo no Ceará!

Como se vê, a tarefa do Estado nesse momento de tensão social e sensação generalizada de insegurança não é fácil, pois precisa atuar em várias frentes concomitantemente e, para isso, precisa de uma política criminal que não desconsidere os fatores multifocais da criminalidade e da inexorável transversalidade das ações estatais e políticas públicas no combate à criminalidade.

Aumentar os efetivos e prender, sobretudo criminosos violentos como homicidas, latrocidas, estupradores e torturadores (bem como chefes e financiadores granfinos dos tráficos de armas, drogas e pessoas) é importante, mas não é suficiente. O combate á violência e a criminalidade não é apenas um problema de polícia, mas, sobretudo, de políticas públicas sociais e estruturadoras. Fora disso só fica o discurso bélico e punitivista que vem sendo replicado entre nós há trinta anos, sem sucesso algum.

Imagem capturada em:  https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/04/politica/1546621272_931510.html