quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

SEGURANÇA PÚBLICA: NOSSA ENTREVISTA AO PORTAL NE10

"NA AUSÊNCIA DO ESTADO, O CRIME PROSPERA", diz especialista

Após o ataque de criminosos à empresa de transporte de valores Brinks, na Zona Oeste do Recife, na madrugada dessa terça-feira (21), o NE10 conversou com o professor de criminologia no curso de Direito do Centro Universitário da FG, Isaac Luna*, sobre o sentimento de medo e insegurança que toma conta da população pernambucana com a onda de violência que só faz aumentar nos últimos meses.

Especialista em segurança pública, Isaac diz que o crime aumenta na medida em que faltam ações governamentais. Pacto Pela Vida, Governo Paulo Câmara, situação das policias e crime organizado estão entre os temas abordados pelo professor. Confira a entrevista pingue-pongue feita com Isaac Luna:

Em sua visão qual o principal motivo do aumento da criminalidade no Estado? Recentemente um secretário atrelou ao desemprego e à Operação Padrão da PM. É correta esta afirmação?
A violência não pode ser tratada a partir de causas exclusivas, ela é resultado de um conjunto de circunstâncias que atuam concomitantemente. Se isoladamente a Operação Padrão da Polícia Militar fosse responsável por esse aumento da criminalidade, por exemplo, as taxas deveriam estar sob controle até o início de dezembro do ano passado, quando teve início a operação, o que não se confirma na realidade, pois os números vêm sendo críticos já há três anos consecutivos, período no qual as taxas de homicídio cresceram 43%.
A piora dos indicativos sociais, tais como emprego, renda, etc., não pode ser negligenciada como parte do problema, mas também não pode ser colocada com a causa em si, vez que a situação das pessoas se agravou no País inteiro, mas em nem todos os lugares a violência galopou como por aqui.

Com a crise no Pacto Pela Vida (PPV), qual seria a melhor forma de combater a criminalidade, partir para um novo plano de segurança ou reinventar o Pacto?
O PPV é uma política bem estruturada nos seus fundamentos e no seu modelo, por mais de meia década foi apresentado como modelo exitoso no difícil campo da segurança pública, recebendo inclusive prêmios internacionais pelos seus resultados de instituições como a ONU e o BIRD.
Não tenho conhecimento de nenhuma proposta consistente de política pública para substituí-lo, apresentando novos fundamentos, metodologias e modelo de gestão.  Como toda política pública o PPV não é fechado, imutável, pelo contrário: tem abertura para revisões, adequações e mudanças. É preciso retomar a sua perspectiva transversal de diálogo e ação conjunta com outros setores do governo, com o Ministério Público, o Poder Judiciário, os municípios e, fundamentalmente, com as comunidades, resgatando a proposta de gestão democrática que o caracterizou n o início. Os próximos passos dirão se teremos uma recuperação vital ou um atestado de óbito do PPV.

Como o senhor enxerga a quantidade de efetivo de policia do Estado? Tanto da Civil para investigações, quanto da PM para policiamento ostensivo? Os PMs apontam déficit, este também seria um motivo para a insegurança?
As polícias são atores estratégicos em qualquer política de segurança pública. Se for verdade que não se faz segurança pública apenas com polícia, é igualmente verdade que também não se faz sem polícia.
O problema de efetivo é real, mas não é somente esse o ponto de fragilidade das corporações. A questão da valorização profissional, que vai desde a remuneração até as condições de trabalho com equipamentos adequados, viaturas seguras, condição interna dos quartéis, assistência médica, etc., devem ser levadas em conta. Poucas profissões carregam um nível de estresse tão elevados como o do policial, agente de ponta do enfrentamento de criminosos violentos. Se esse profissional não estiver motivado, dificilmente a polícia cumprirá a contento o seu indispensável e repito: estratégico papel na defasa social.

Hoje vemos crimes na Região Metropolitana que só vinham sendo praticados no interior. Ataques de bandidos fortemente armados a bancos ou crimes como houve nesta madrugada [terça] e recentemente em Porto de Galinhas. O que faz os bandidos começarem a praticar crimes deste tipo na RMR?
O crime se instala em ambientes favoráveis. A percepção de que as instituições de segurança pública do Estado estão fragilizadas acaba incentivando o criminoso habitual ou potencial a realizar a pratica do crime e a ousar cada vez mais, avançar cada vez mais diante dos espaços vazios deixados pelo poder público. Aqueles episódios dos saques às lojas em Jaboatão e em Paulista na greve da polícia, por exemplo, servem para ilustrar que a expectativa de não ser punido leva até mesmo pessoas que não são propriamente criminosas a arriscarem, ousarem na violação da lei. Na ausência do Estado, o crime prospera.

Os bandidos estão de porte de armamentos de grosso calibre, como disse o secretário de Segurança, "armas de guerra". Como combater esses tipos de bandidos que estão com armas que fogem da alçada da policia estadual?
A solução tem que vir pela inteligência, pela prevenção, buscando desarticular as quadrilhas e os canis de entrada desses armamentos no país. Na própria polícia há grupamentos especiais que possuem armamento e munição de grosso calibre, mas para serem acionadas em ocasiões e episódios especiais, não para ser força ostensiva permanente de patrulhamento.
Se a opção for pelo enfrentamento como estratégia principal e se não houver ações de prevenção e desarticulação desses grupos criminosos com armamento de guerra, permitindo que eles se espalhem pelo país, floresçam, iremos presenciar cada vez guerrilhas urbanas como a da Estância.

Além desses crimes, os delitos como assaltos a ônibus e furtos pela Região Metropolitana estão se tornando rotina. Como combater este aumento? Existe alguma forma de a sociedade colaborar?
A população tem que denunciar e cobrar as soluções das autoridades. Não é correto procurara transferir a responsabilidade do crime para a vítima, para o cidadão. Atividades simples e de rotina como andar de coletivo, passear nos calçadões ou ir a uma festa pública estão se tornando atividade de risco – e isso não pode ser tido como culpa da vítima, como se fosse um descuido. Nas sociedades democráticas, a liberdade, o direito de ir vir, a proteção da vida e da propriedade são direitos de todo cidadão e obrigação do Estado. O papel da sociedade é fiscalizar a conduta dos seus representantes, denunciar e cobrar as soluções de quem é de direito, ou seja: dos gestores públicos.

O governador trocou na última sexta o comando das polícias. Essa atitude deve melhorar a situação? Quais medidas o governo deveria tomar na sua visão?
Dada à crise, o governador tinha que tomar alguma atitude, e o que ele podia fazer de imediato era trocar os comandos, tentar reassumir o controle da situação e restabelecer o diálogo com as corporações. É evidente que apenas isso não é suficiente, mas é um movimento no sentido de procurar uma solução. As pautas estão colocadas, a operação padrão permanece, as mulheres dos policias se articulam para repetirem por aqui protestos e ações similares as ocorridas no Espírito Santo, enfim: a solução não será dada apenas pela troca dos comandos, o governador terá ainda muito trabalho por esses dias.
A Bancada de Oposição pediu apoio da Força nacional para o Carnaval e dias posteriores. O senhor acredita que realmente é necessário? Muito se fala das forças armadas não conseguirem fazer trabalho de polícia, trabalho ostensivo. Esse efetivo realmente pode colaborar com a segurança pública do Estado?
A opção pelas forças armadas deve ser sempre excepcional, a última medida dentre as possíveis a ser considerada. O exército, a marinha e a aeronáutica tem o dever de garantir a defesa nacional diante de ameaças externas, de ataques de inimigos no ambiente internacional, proteger as nossas fronteiras, para isso existem e os seus soldados são treinadas, formados e preparados: para a defesa e para a guerra.
A segurança civil tem outra característica, as polícias lidam com o cidadão, com a garantia da ordem interna e com essa finalidade também são formados os seus efetivos. Misturar defesa nacional com segurança pública no âmbito civil não é a melhor alternativa, apesar de que isso vem sendo feito com certa regularidade no Brasil nos últimos tempos. Não é à toa que nessa última segunda-feira (20) o presidente da república editou uma medida provisória alocando cem milhões de reais para o Ministério da Defesa cobrir os custos com o exercito nas ruas e nos presídios, dinheiro que poderia ser utilizado na necessária reestruturação das polícias sendo destinado as forças armadas. É um quadro preocupante.

Existe alguma forma de entendimento que o governo possa tomar com as associações de militares para garantir o retorno dos policiais às ruas? Como evitar esses tipos de conflitos? Esses conflitos são políticos? Se forem, como o governo pode impedir que a política não atrapalhasse a segurança dos cidadãos?
Não é possível afirmar que o movimento tenha motivação política, mas, da mesma forma, não é possível também afastar essa hipótese. O governador Paulo Câmara precisará de muito diálogo e, fundamentalmente de muito apoio para desatar esse nó. As reivindicações policiais são razoáveis, mas implicam em aumento de gastos em um momento de queda de receita e crise econômica do Estado. Não há uma solução fácil, principalmente porque a solução, seja qual for, não pode mais ser adiada, o governo tem que agir – e agir rápido.

O que é necessário para uma melhor polícia do Estado de Pernambuco? Mais treino? Mais armamento? Desmilitarizar? Enfim... Quais seriam as melhorias que poderiam ser feitas.
Esse debate sobre a reestruturação das polícias é muito intenso e com muitas variáveis envolvidas, com muitos argumentos consistentes em direções contrárias. O modelo de São Paulo, por exemplo, com regularização do efetivo, foco na formação, exigência de qualificação para progressão de patentes, modernização de equipamento e melhoria na remuneração pode ser um ‘case’ a ser perseguido, mesmo não perdendo de vista que a realidade e a saúde financeira do Estado lá são bem diferentes do que a nossa realidade.
O debate nesse campo é longo, mas indispensável se quisermos chegar a uma resposta satisfatória a essa questão.

Qual o futuro da segurança pública de Pernambuco na sua visão?
Essa não é uma questão fácil de responder. A situação não é boa e os indicativos de análise em curto prazo não são bons. Vivemos uma crise ampla de todo o sistema de justiça criminal: a criminalidade cresce nas ruas, os presídios estão lotados e submersos em um modelo falido, as varas criminais estão abarrotadas de processos e a população está amedrontada. A crise é evidente e não sairemos dela apenas apostando na repressão, por mais indispensável que ela seja. Se não tivermos engajamento dos múltiplos setores dos governos federal estadual e municipal e o diálogo permanente destes com a sociedade, poderemos ter breves momentos de alívio, mas logo seremos novamente amedrontados pela crise.
Investimento em inteligência, prevenção e políticas públicas de inclusão são tão necessárias no combate à criminalidade violenta como o fortalecimento das instituições coercitivas. Sem essa visão mais ampla do problema, o futuro é incerto...

Link da matéria no Portal NE10:

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

POR QUE UNS PROCESSOS PRESCREVEM E OUTROS NÃO? UM OLHAR CRIMINOLÓGICO SOBRE O "CASO JUCÁ"


“Estudar a criminalidade entre os presos é um erro, pois a maioria dos criminosos, sobretudo os mais habilidosos, não se encontram nesse ambiente” 
(Edwin Sutherland, A Prisão Como Observatório Criminológico,1930)

O senador da república (minúsculas propositais) Romero Jucá é uma velha raposa da política brasileira, estava nos bastidores, mas voltou aos holofotes com assunção de Michael Temer ao poder pós-impeachment da presidente Dilma Rousseff. É ele o cara da famosa proposta de fazer um “grande pacto nacional para estancar a sangria, com Supremo e tudo...” (relembre o caso e veja a transcrições completas: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogos-gravados-juca-fala-em-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml).

Pois bem, o digníssimo foi denunciado por desvio em obras de saneamento e em verbas da educação no seu Estado, Roraima, sendo nominalmente citado em uma gravação autorizada pela justiça de um telefonema do então prefeito da cidade de Cantá, na qual se falava da propina de 10% do valor dos contratos e de uma comissão no valor do contrato que seria do “Senador” (Veja o caso completo: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/por-ausencia-de-indicios-e-prescricao-marco-aurelio-arquiva-investigacao-contra-juca/).

E então, esse processo não existe mais, foi arquivado ontem pelo STF com parecer da PGR. Vejamos apenas alguns trechos das manifestações das duas instâncias superiores da Justiça Brasileira:

Raquel Dodge, procuradora da república recentemente nomeado por Temer:

“Pelo que se extrai dos autos, as diligências apuratórias empreendidas pela autoridade policial, notadamente em razão do transcurso de período extremamente longo desde os fatos apurados, não se mostrou eficiente para comprovar a materialidade e a autoria de desvio recursos públicos e delimitar aqueles que se beneficiaram deste eventual desvio. A autoridade policial não apresentou dados minimamente plausíveis para a continuidade das apurações. Além disto, parte dos crimes investigados foram atingidos pela prescrição”.


Marco Aurélio Melo, ministro do STF que, alinhado ao entendimento da procuradora, acata o pedido e determina o arquivamento:

“O titular da ação penal preconiza o arquivamento do inquérito, apontando ausentes indícios de que o senador da República Romero Jucá Filho haja concorrido para o cometimento de crime. Aduz configurada a extinção da punibilidade do investigado ante a prescrição da pretensão punitiva concernente aos fatos tipificados no artigo 312 do Código Penal, com pena máxima de 12 anos, os quais teriam ocorrido nos anos de 1999, 2000 e 2001. Observado o inciso II do artigo 109 do Código Penal, a versar a prescrição em 16 anos para os delitos apenados com até 12, esta seguramente veio a incidir transcorridos mais de 17 anos. A manifestação é definitiva, tendo em conta a atuação do Órgão máximo do Ministério Público”


Vamos, então, a análise criminológica do caso:

Bem, como não sei desenhar, só me resta escrever - a prescrição da pretensão punitiva é um instituto válido e vigente previsto nos artigos 109 a 114 do Código Penal. Nesse caso, como bem fundamentou o ministro, aplica-se o inciso II do art. 109 do Código Penal, já que a pena máxima prevista para o crime de Corrupção Passiva (art. 312, CP) é de 12 anos:

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

O problema que merece atenção e exercício de compreensão não é esse!

Entenda, para a Criminologia Crítica o problema central do sistema de justiça criminal não é a lei, mas as instituições responsáveis pela sua aplicação. O que o criminólogo crítico investiga prioritariamente não é a dogmática penal, mas a lógica de funcionamento do sistema persecutório e punitivo, suas estruturas, contradições e interesses, velados ou explícitos, que orientam os seus procedimentos e escolhas seletivas de quando, como e em que casos agir “eficientemente”.

A questão a ser analisada no caso de Jucá, por essa linha de raciocínio, não é se a decisão de Marco Aurélio está ou não amparada pela lei, mas sim a de que interesses estão por trás da decisão de fazer algumas investigações e processos andarem com celeridade e outros não. Quem decide isso? Qual o critério? Quais interesses estão em jogo nessa seleção de quem deve ser investigado e julgado com agilidade enquanto outros caminham solenemente para se abraçarem com a previsão legal, válida e vigente, da prescrição da pretensão punitiva do Estado?

Se você conseguir mudar o foco da sua análise da dogmática para essa perspectiva criminológica poderá chegar a conclusões inquietantes, mas reveladoras de uma realidade pouco discutida (por que?) nos estudos da justiça criminal no Brasil - dentre elas a de que o Direito Penal, a despeito de todo o seu discurso de legitimação, talvez não seja nada mais, nada menos, que um instrumento de exercício puro e manutenção do poder, acionado quando interessa, calado quando convém.


Abra o olho! 👁

Isaac Luna