terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

POR QUE UNS PROCESSOS PRESCREVEM E OUTROS NÃO? UM OLHAR CRIMINOLÓGICO SOBRE O "CASO JUCÁ"


“Estudar a criminalidade entre os presos é um erro, pois a maioria dos criminosos, sobretudo os mais habilidosos, não se encontram nesse ambiente” 
(Edwin Sutherland, A Prisão Como Observatório Criminológico,1930)

O senador da república (minúsculas propositais) Romero Jucá é uma velha raposa da política brasileira, estava nos bastidores, mas voltou aos holofotes com assunção de Michael Temer ao poder pós-impeachment da presidente Dilma Rousseff. É ele o cara da famosa proposta de fazer um “grande pacto nacional para estancar a sangria, com Supremo e tudo...” (relembre o caso e veja a transcrições completas: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogos-gravados-juca-fala-em-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml).

Pois bem, o digníssimo foi denunciado por desvio em obras de saneamento e em verbas da educação no seu Estado, Roraima, sendo nominalmente citado em uma gravação autorizada pela justiça de um telefonema do então prefeito da cidade de Cantá, na qual se falava da propina de 10% do valor dos contratos e de uma comissão no valor do contrato que seria do “Senador” (Veja o caso completo: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/por-ausencia-de-indicios-e-prescricao-marco-aurelio-arquiva-investigacao-contra-juca/).

E então, esse processo não existe mais, foi arquivado ontem pelo STF com parecer da PGR. Vejamos apenas alguns trechos das manifestações das duas instâncias superiores da Justiça Brasileira:

Raquel Dodge, procuradora da república recentemente nomeado por Temer:

“Pelo que se extrai dos autos, as diligências apuratórias empreendidas pela autoridade policial, notadamente em razão do transcurso de período extremamente longo desde os fatos apurados, não se mostrou eficiente para comprovar a materialidade e a autoria de desvio recursos públicos e delimitar aqueles que se beneficiaram deste eventual desvio. A autoridade policial não apresentou dados minimamente plausíveis para a continuidade das apurações. Além disto, parte dos crimes investigados foram atingidos pela prescrição”.


Marco Aurélio Melo, ministro do STF que, alinhado ao entendimento da procuradora, acata o pedido e determina o arquivamento:

“O titular da ação penal preconiza o arquivamento do inquérito, apontando ausentes indícios de que o senador da República Romero Jucá Filho haja concorrido para o cometimento de crime. Aduz configurada a extinção da punibilidade do investigado ante a prescrição da pretensão punitiva concernente aos fatos tipificados no artigo 312 do Código Penal, com pena máxima de 12 anos, os quais teriam ocorrido nos anos de 1999, 2000 e 2001. Observado o inciso II do artigo 109 do Código Penal, a versar a prescrição em 16 anos para os delitos apenados com até 12, esta seguramente veio a incidir transcorridos mais de 17 anos. A manifestação é definitiva, tendo em conta a atuação do Órgão máximo do Ministério Público”


Vamos, então, a análise criminológica do caso:

Bem, como não sei desenhar, só me resta escrever - a prescrição da pretensão punitiva é um instituto válido e vigente previsto nos artigos 109 a 114 do Código Penal. Nesse caso, como bem fundamentou o ministro, aplica-se o inciso II do art. 109 do Código Penal, já que a pena máxima prevista para o crime de Corrupção Passiva (art. 312, CP) é de 12 anos:

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

O problema que merece atenção e exercício de compreensão não é esse!

Entenda, para a Criminologia Crítica o problema central do sistema de justiça criminal não é a lei, mas as instituições responsáveis pela sua aplicação. O que o criminólogo crítico investiga prioritariamente não é a dogmática penal, mas a lógica de funcionamento do sistema persecutório e punitivo, suas estruturas, contradições e interesses, velados ou explícitos, que orientam os seus procedimentos e escolhas seletivas de quando, como e em que casos agir “eficientemente”.

A questão a ser analisada no caso de Jucá, por essa linha de raciocínio, não é se a decisão de Marco Aurélio está ou não amparada pela lei, mas sim a de que interesses estão por trás da decisão de fazer algumas investigações e processos andarem com celeridade e outros não. Quem decide isso? Qual o critério? Quais interesses estão em jogo nessa seleção de quem deve ser investigado e julgado com agilidade enquanto outros caminham solenemente para se abraçarem com a previsão legal, válida e vigente, da prescrição da pretensão punitiva do Estado?

Se você conseguir mudar o foco da sua análise da dogmática para essa perspectiva criminológica poderá chegar a conclusões inquietantes, mas reveladoras de uma realidade pouco discutida (por que?) nos estudos da justiça criminal no Brasil - dentre elas a de que o Direito Penal, a despeito de todo o seu discurso de legitimação, talvez não seja nada mais, nada menos, que um instrumento de exercício puro e manutenção do poder, acionado quando interessa, calado quando convém.


Abra o olho! 👁

Isaac Luna

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