domingo, 24 de março de 2019

EM DEFESA DA ARTE: A VIDA SEM ARTISTAS DOS CRÍTICOS DE ARTE DAS REDES SOCIAIS.



Vi esses dias uma postagem, dessas tipo viral que se compartilha irrefletidamente, a qual dizia algo como: já precisei desse, daquele e daquele outro profissional, mas nunca precisei de um artista...

Pensei como seria a vida sem a arte, como seria se não tivesse:


- Um bom livro para ler e melhor refletir;

- Uma boa música para ouvir, relaxar ou divertir-se;

- A sétima arte, um bom cineminha para desopilar;

- O encanto de um poema audaz para encher o coração de esperança;


- As artes plásticas para limpar a vista em uma bela exposição;

- Um roteiro histórico de turismo para conhecer a escola arquitetônica de cada época;

- Espetáculos circenses para ficar apreensivo e dar gargalhadas;

- A sincronia dos bailarinos em um show de dança para maravilhar-se;

- A charge que faz rir e pensar com o seu humor inteligente;

- As feiras de artesanatos típicos de cada lugar que se visita... 

A dita postagem
Afinal, o que fazem na vida, para alem do trabalho, os que não precisam da arte?

Ferreira Gullar já bem alertou: A arte existe porque a vida não basta”.

O pai da psicanálise, Sigmund Fred, em seus estudos sobre a arte, sugeriu que os artistas falam do futuro com mais propriedade do que a ciência. Contudo, os novos “críticos de arte” que emergem nas redes sociais sustentam com a certeza absoluta de quem não sabe o que está falando que a arte e os artistas são dispensáveis na vida social.

Valei-me! Deus me livre de um mundo sem arte, ofício dos artistas...
Noite Estrelada, de Van Gogh (1889)


"Arte é a expressão mais pura que há para a demonstração do inconsciente de cada um. É a liberdade de expressão; é sensibilidade, criatividade, é vida" (Jung, 1920).

No arremate, tal qual o velho Chico, vou ali ver a banda passar.

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem


A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela


A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou
E cada qual no seu canto
E em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor

segunda-feira, 18 de março de 2019

CULTO A VIOLÊNCIA E BANALIZAÇÃO DO MAL: O EXTERMÍNIO NAS ESCOLAS É APENAS O SINTOMA MAIS VISÍVEL DA PATOLOGIA SOCIAL

O texto deste post é uma adaptação das reflexões que propôs na reunião do GGIM - Gabinete de Gestão Integrada Municipal de Jaboatão dos Guararapes/PE, do qual participava na condição de assessor especial do prefeito para segurança pública. Na ocasião, 18 de outubro de 2011, estava na pauta de deliberação do Gabinete a implantação do projeto "Escola Legal", um acordo de cooperação técnica entre o Tribunal de Justiça, a Universidade e a Prefeitura voltado para a solução da violência nas escolas. 

Isto posto, vamos ao foco do problema:



“O Homem é ele e as suas circunstâncias”, anunciava o pensador espanhol José Ortega Y Gasset. Tomando-o como ponto de partida, somos forçados a admitir a delicada condição de incerteza dos dias atuais, caracterizada pela fluidez dos paradigmas que ergueram o que conhecemos por Modernidade, já que ser moderno, ou seja, estar de acordo com os paradigmas da Modernidade, significa confiar na  escola como instituição responsável pela socialização e transmissão do conhecimento formal e reflexivo para as crianças, na ciência como mecanismo de compreensão da verdade, no Direito como promotor da Justiça e no Estado como regulador e provedor da vida coletiva e do bem-estar social.


Ocorre que, se por um lado não estamos mais tão seguros e confiantes nesses postulados, por outro não inventamos ainda nada que possa substituí-los nos seus papeis sociais: o que colocar no lugar da escola, da ciência, do Direito e do Estado? Essa incerteza estrutural e paradigmática nos leva a uma condição inevitável de crise ético-valorativa, desestabilizando as relações e a vida social.

Um dos traços mais marcantes desse momento, chamado por uns de Pós-Modernidade, é representado pela constante desintegração da vida social e a consequente supremacia do individual sobre o coletivo. Esse modelo social tem como pano de fundo uma miopia grupal acerca do complexo e multicausal fenômeno da violência, provocando uma sensação generalizada insegurança e criando um ecossistema dominado pela denominada “cultura do medo.

A questão primordial, dado o fato, não é a existência da violência como um problema a ser solucionado, mas, antes, a solução que propomos como sociedade para ele. É justamente nesse ponto que a discussão torna-se realmente delicada, pois tem prevalecido a tese do “combate violento a violência” associada a estratégia do isolamento, ou da privatização da vida, em detrimento do estreitamento dos laços de solidariedade e interação social para a solução dos problemas coletivos.


Em relevante medida isso explica alguns aspectos paralelos da vida cotidiana, tais como a “febre” dos condomínios com um número cada vez maior de espaços e serviços internos para que o morador não precise sair para nada, mantendo-se seguro nos muros que o protege do outro, a supremacia comercial dos shoppings, a emergência dos resorts e clubes privativos, bem como o sonho do carro próprio, etc...

É isso mesmo, um dos principais efeitos colaterais diretos da cultura do medo é o afastamento progressivo do sujeito dos espaços de convivência social, da coletividade que caracteriza a comunidade. A ideia de que o perigo está no outro faz com que as pessoas sejam levadas a imaginar que quanto menos convivência social plural elas tiverem, menor será a probabilidade de que sejam vítimas da violência. Entretanto, o que essa escolha provoca é justamente o oposto do que ela promete, ou seja, nos afastamos da vida social para diminuir a nossa sensação de medo, só que quanto mas sós nos tornamos, quanto mais abandonamos os nossos vínculos sociais (associações, sindicatos, conselhos, grêmios, partidos políticos, grupos de pais, etc.), mas ficamos a mercê de nós mesmos e, portanto, mais e mais medo teremos.

A solução para problemas coletivos, de mais a mais, só pode ser encontrada coletivamente; daí o equívoco de que é possível se resolver, privadamente, o problema da (in)segurança pública, por exemplo. Somente por intermédio das organizações e instituições sócias coletivas, governamentais ou não governamentais, do fortalecimento do debate público e da reafirmação da legitimidade dos poderes constituídos democraticamente, será possível se pensar uma alternativa ao dilema pós-moderno, qual seja: reconhecer, incluir e conviver com o outro (diferente), sem deixar-se envolver pela paranoia do medo do outro.

É nessa perspectiva que o cientista Político Michael Maffesoli em seu “A Transfiguração do Político”, alerta para o fato de que a única saída possível para tempo contemporâneo é o reconhecimento e a aceitação das diferenças sociais, culturais, sexuais, políticas, e nacionais como característica inevitável desse novo ambiente, traçando estratégias de inclusão acolhedora do diferente no espaço público (coletivo) de convivência. Por isso a tríade escola-família-cidade assume papel relevante na configuração dessa nova dinâmica social, vez que, sendo esses os primeiros e os principais espaços de socialização dos indivíduos, lugares nos quais os sujeitos se sentem mais instigados a atuarem para melhorar as suas vidas, o esquema urbe-escola-casa inclusivas e multiculturais passa a ser o principal palco de debate e vivência capaz de encampar com êxito a discussão dos anseios mais diretos do cidadão, como bem define Zygmunt Baumam no “Confiança e Medo na Cidade”.

Enfim, entre Modernos e Pós-Modernos, certo é que a escola a família e a cidade assumem o papel de principais vetores de viabilização civilizatória para  a vida em comunidade, vez que é nelas que pode se realizar o projeto que representa uma alternativa ao isolamento provocado pelo medo, qual seja: a constituição de um espaço público de convivência coletiva entre os sujeitos, iguais e diferentes, em troca e harmonia. A participação cidadã e a fiscalização dos poderes constituídos, a confiança na eficiência e seriedade das instituições e a certeza de que “o homem não é uma ilha”, como nos disse Aristóteles, são as chaves para a construção dessa nova realidade.

A violência no ambiente escolar, das quais as tragédias recentes são apenas a ponta do iceberg, é o sintoma mais claro da patologia social que nos atravessa a goela. A prevalência, seja pela naturalização, pelo incentivo ou pelo silêncio omissivo de modelos éticos-valorativos que consideram a agressão, a exclusão e até mesmo o extermínio do outro como soluções válidas para os conflitos criam o ambiente subjetivo propício para a assimilação, sobretudo por parte dos sujeitos em fase de formação de suas consciências de mundo, de que há pessoas que não possuem direitos ou até mesmo que existem vidas que não merecem ser vividas em razão de diferenças sociais, culturais, éticas ou religiosas, na linha do fala o jus filósofo italiano Giogio Agamben no seu “Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I”.     
Não há neutralidade nessa questão, como bem refletiu o Patrono da Educação brasileira: ou a perspectiva de mundo, de educação, de sociedade é inclusiva ou excludente. Não há educação, consciência ou individuo humano neutro!


A posição que a família e a escola assumem diante dessas visões de mundo se materializam no espaço público de convivência comunitária nas cidades e definem o caminho que, coletivamente, determinamos para a nossa sociedade.

(Carta aos Missionários. Uns e outros, Álbum: Uns e Outros, 1989)


terça-feira, 5 de março de 2019

MAQUIAVEL, MARX E O SAMBA DE GONZAGUINHA, OU: O MASSACRE CONSENTIDO DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES.




Dos ensinamentos maquiavélicos disposto no “O Príncipe”, de 1513, um deles é bastante categórico e atual, principalmente para o que vivemos hoje na estratégia de recolonização dos trabalhadores brasileiros, qual seja: dividir para dominar. 

Para o Pensador Florentino o exercício do poder e da dominação se torna bem mais simples se o príncipe, com perspicácia, dividir os seus opositores, fragmentá-los, coloca-los em disputa interna. É muito mais fácil derrotar vários opositores em batalhas isoladas do que vencer todos os opositores juntos em uma grande batalha.

Pois bem, o exercício do poder econômico passa necessariamente pelo controle do sistema produtivo e, consequentemente, das relações de trabalho, suas regras e limites. Nesse contexto, o sindicato representa a união política dos trabalhadores na correlação de forças negocial entre os donos do poder econômico e o obreiro que vende a sua força de trabalho em troca de um salário. O sindicato é materialização daquela máxima cantada e decantada no conhecimento popular: unidos somos mais fortes!

O art. 8º da Constituição Federal de 1988 garante o direito a sindicalização dos trabalhadores e CLT, dos seus arts. 611 a 625 coloca o sindicato como o sujeito coletivo responsável pelas negociações com as empresas ou sindicatos patronais para celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho. O princípio que está por detrás disso é muito objetivo: a classe trabalhadora politicamente organizada estará muito mais próxima de uma condição de igualde negocial com o detentor do poder econômico na busca de melhores condições de trabalho e remuneração. Sozinho o obreiro terá pouca força para negociar com o dono do posto de emprego, ficando demasiadamente vulnerável na negociação e muito mais propenso a ceder aos interesses ou condições impostas pelo patrão.

E então, justamente por isso é o sindicato que precisa ser enfraquecido, desacreditado, esfacelado ou até mesmo aniquilado para promover a dispersão dos trabalhadores, criar conflitos internos na classe e dividir – para melhor dominar.

Como a turma não brinca em serviço, a Lei n. 13.467/17, também conhecida como reforma trabalhista tratou de acabar com a contribuição sindical compulsória, através da qual o trabalhador contribuía com a remuneração de um dia de trabalho durante o ano para manter o sindicato (você sabe quantos dias de trabalho o trabalhador paga ao governo em forma de impostos?). A partir da reforma o obreiro precisa autorizar expressamente o empregador a promover o desconto anual para o sindicato, o que, com uma forte campanha midiática de vilanização das organizações sindicais fez com que muitos trabalhadores não desses a referida autorização, enfraquecendo sobremaneira os sindicatos.

Lembre: se preciso dividir para dominar e o sindicato é o ponto de união da classe trabalhadora, quem então preciso esfacelar para garantir a divisão?

O processo de aniquilação dos sindicatos como estratégia de divisão para melhor dominação botou novamente o bloco na rua na sexta-feira de carnaval com a publicação da MP 873, determinando que o pagamento da contribuição sindical deverá ser feita exclusivamente por boleto bancário. Isso significa que não há mais autorização do empregado ao empregador para o desconto, mas sim a emissão de um boleto com o qual o trabalhador tem que se dirigir ao banco e pagar voluntariamente a sua contribuição sindical; a propósito, você pagou a taxa de bombeiro que vem junto com o carnê do IPTU?

Derradeiramente, a reforma trabalhista passou a considerar, por meio da inclusão do art. 611-A na CLT, que o que for negociado entre trabalhadores e empregadores por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho prevalecerá sobre o que dispõe a lei sobre o mesmo tema. A PEC 300, a propósito, propõe a constitucionalização da prevalência do negociado sobre o legislado, alterando o inciso XXVI do art. 7º da Constituição Cidadão de 1988!

Ora, se quem negocia com os patrões em representação do trabalhador é o sindicato (arts. 611-625 da CLT), nada mais genial do que bater com cano de ferro nele, jogando-o ao chão, para negociar com um sindicato fraco, ferido e desacreditado. A jogada foi brilhante... Bingo, Maquiavel! 

O mais impressionante de tudo isso, o que merece uma nota histórica sobre o momento que vivemos, diz respeito ao fato de que o desmonte dos direitos trabalhistas e das organizações políticas de defesa do trabalhador se dá não só sob o ensurdecedor silêncio com também com a complacência e apoio de parte considerável dos próprios trabalhadores. A isso, Karl Marx chama de ideologia...

Em 1846, ao escrever “A Ideologia Alemã”, o barbudo subversivo se proponha a investigar cientificamente o seguinte problema: “Como a ideologia mascara a divisão do trabalho e gera a alienação?”. Segundo Marx, as ideias dominantes de uma época são ideias da classe política e economicamente dominante dessa determinada época – o que, na verdade, dá no mesmo, pois segundo ele a classe economicamente dominante, justamente por ser economicamente dominante, se torna também a classe politicamente dominante e, por esse turno, passa a ter o monopólio de legislar, transformando o direito em instrumento de defesa dos seus interesses e por via de consequência, de dominação. Assim, o papel da ideologia é “inverter a realidade”, fazendo com que a classe trabalhadora acredite que as teses apresentadas pela classe economicamente dominante na defesa dos seus interesses particulares são também teses que interessam a defesa dos interesses dos trabalhadores. Daí a existência de gente assalariada defendendo ou silenciando diante do desmonte dos direitos trabalhistas.

Para que a dominação não pareça despótica é preciso fazer crer que ela é racional, boa e desejável. Em outras palavras: é preciso fazer crer que os interesses econômicos da classe dominante são também bons para toda a sociedade, formada majoritariamente por trabalhadores não proprietários de capital financeiro ou meios de produção em escala... Bingo, Marx!

E o samba de Gonzaguinha, o que tem a ver com isso?

Ah, todo a ver – é síntese de tudo que foi dito nessas linhas. Bom carnaval e se abraça ai com essa promoção...

COMPORTAMENTO GERAL

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal

E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece

E diploma de bem comportado
Você merece, você merece

Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece

Tudo vai bem, tudo legal

(Gonzaguinha. Álbum: Luiz Gonzaga Jr., 1973)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A SEGURANÇA PÚBLICA NO CEARÁ: A REBELIÃO QUE VEM DO CÁRCERE NA TERRA DA LIBERDADE


A questão da segurança pública é central na vida em sociedade. É, na base, a própria razão fundante do pacto social. Valores como liberdade, igualdade, integridade e propriedade são fortemente afetados quando a insegurança torna-se regra, tal qual sugere a atual situação no Estado do Ceará.

A garantia dos direitos básicos, sobretudo educação, saúde, moradia, transporte e emprego deve ser promovida pelo Estado junto com o direito a integridade da vida, do corpo, da honra e do patrimônio. Sem isso, o caos vai ganhando espaço no seio da coletividade. Políticas públicas de segurança não podem prescindir de políticas de garantia de direitos, que atuam na perspectiva da inclusão social e, portanto, da prevenção ao crime.

Da mesma forma,  e paralelamente, o Estado não pode deixar de dar uma resposta forte ao violador da norma, aplicando com eficácia a pena adequada ao crime cometido. Para isso precisa de polícias com capacidade investigativa (inteligência), equipes suficientes (efetivo) e instalações e equipamentos adequados (estrutura). O policiamento ostensivo e investigativo está na base da política de segurança pública, pois é através dele que o criminoso recebe a mensagem do Estado: se delinquir, será punido!

No centro, o sistema judicial precisa, tal qual as polícias de uma estrutura adequada, com promotorias, varas criminais, advogados e defensores públicos em número suficiente para atender a grande demanda da judicialização da violência, para que a lei possa ser aplicada da forma e no tempo necessário e razoável e isso, como no primeiro caso, demanda investimento.

Ainda mais, e aqui talvez esteja o ponto central da crise na Terra dos Alencar,  sem um sistema prisional minimamente adequado, a conta não fechará e o problema da criminalidade não estará sendo solucionado pelo Estado. No atual estágio dos presídios cearenses que tem capacidade para pouco mais de 11 mil vagas, mas  que contam com uma população carcerária de aproximadamente 21 mil presos, segundo dados de CNJ (Disponível em: hhttp://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87316-bnmp-2-0-revela-o-perfil-da-populacao-carceraria-brasileira),  não há expectativa de ressocialização e, dessa forma, de retorno harmônico e pacífico do apeando a coletividade. É ilusório acreditar que resolveremos a questão criminal sem resolvermos também a falência do sistema prisional – e, sem investimento, isso não ocorrerá.

O cárcere tornou-se um espaço cuja os investimentos públicos no Brasil não tiveram a devida atenção. Tanto no que se refere ao número de vagas, quanto a estrutura física e as equipes multidisciplinares de trabalho com formação específica. O resultado é que, com a onda crescente de encarceramento o sistema ficou fora do controle dos Estados e se transformou em objeto de barganha dos apenados que negociam regalias e ilegalidades de todas as ordens em troca de uma aparente tranquilidade e domínio estatal da situação. Prostituição, comercio de drogas, demarcação de territórios, uso de tv e celulares, tudo isso é prática corrente na maior parte dos presídios tupiniquim. Nessas condições, a prisão assume a condição de espaço privilegiado do crime, como aponta Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/201cas-faccoes-criminosas-sao-subprodutos-do-aprisionamento-em-massa201d/), bem como fonte inesgotável de recrutamento de novos membros dos grupos criminosos: quanto mais se encarcera jovens por delitos banais (mulas do tráfico, pequenos gatunos e picaretas envolvidos em trambiques no comércio informal, alcoólatras, gente ligada a prostituição, etc), mais contingente a disposição dos grupos criminosos se oferta – e a custo zero...

Quando o Estado sinaliza com a possibilidade de quebrar tal acordo tácito, como parece, em primeira impressão,  ser o caso cearense atual (Ver: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/segurancapublica/novo-secretario-promete-fim-da-divisao-de-presidios-por-faccoes-no-ceara/) a reação dos grupos criminosos geralmente é mandar recados às autoridades, espalhando terror social e medo generalizado através de ataques a coletivos, prédios públicos, serviços essenciais, etc (Ver matéria especial de Rafael Iandoli no Nexo: Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/18/O-que-s%C3%A3o-as-maras-gangues-que-colocam-a-Am%C3%A9rica-Central-no-topo-do-ranking-de-homic%C3%ADdios-mundial).

 É justamente isso o que está acontecendo no Ceará!

Como se vê, a tarefa do Estado nesse momento de tensão social e sensação generalizada de insegurança não é fácil, pois precisa atuar em várias frentes concomitantemente e, para isso, precisa de uma política criminal que não desconsidere os fatores multifocais da criminalidade e da inexorável transversalidade das ações estatais e políticas públicas no combate à criminalidade.

Aumentar os efetivos e prender, sobretudo criminosos violentos como homicidas, latrocidas, estupradores e torturadores (bem como chefes e financiadores granfinos dos tráficos de armas, drogas e pessoas) é importante, mas não é suficiente. O combate á violência e a criminalidade não é apenas um problema de polícia, mas, sobretudo, de políticas públicas sociais e estruturadoras. Fora disso só fica o discurso bélico e punitivista que vem sendo replicado entre nós há trinta anos, sem sucesso algum.

Imagem capturada em:  https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/04/politica/1546621272_931510.html