
Isto posto, vamos ao foco do problema:
“O Homem é ele e as suas circunstâncias”, anunciava o pensador espanhol José Ortega Y Gasset. Tomando-o como ponto de partida, somos forçados a admitir a delicada condição de incerteza dos dias atuais, caracterizada pela fluidez dos paradigmas que ergueram o que conhecemos por Modernidade, já que ser moderno, ou seja, estar de acordo com os paradigmas da Modernidade, significa confiar na escola como instituição responsável pela socialização e transmissão do conhecimento formal e reflexivo para as crianças, na ciência como mecanismo de compreensão da verdade, no Direito como promotor da Justiça e no Estado como regulador e provedor da vida coletiva e do bem-estar social.
Ocorre que, se por um lado não estamos mais tão
seguros e confiantes nesses postulados, por outro não inventamos ainda nada que
possa substituí-los nos seus papeis sociais: o que colocar no lugar da escola,
da ciência, do Direito e do Estado? Essa incerteza estrutural e paradigmática
nos leva a uma condição inevitável de crise ético-valorativa, desestabilizando
as relações e a vida social.
Um dos traços mais marcantes desse momento, chamado por uns de Pós-Modernidade, é representado pela constante desintegração da vida social e a consequente supremacia do individual sobre o coletivo. Esse modelo social tem como pano de fundo uma miopia grupal acerca do complexo e multicausal fenômeno da violência, provocando uma sensação generalizada insegurança e criando um ecossistema dominado pela denominada “cultura do medo.
A questão primordial, dado o fato, não é a existência da violência como um problema a ser solucionado, mas, antes, a solução que propomos como sociedade para ele. É justamente nesse ponto que a discussão torna-se realmente delicada, pois tem prevalecido a tese do “combate violento a violência” associada a estratégia do isolamento, ou da privatização da vida, em detrimento do estreitamento dos laços de solidariedade e interação social para a solução dos problemas coletivos.
A questão primordial, dado o fato, não é a existência da violência como um problema a ser solucionado, mas, antes, a solução que propomos como sociedade para ele. É justamente nesse ponto que a discussão torna-se realmente delicada, pois tem prevalecido a tese do “combate violento a violência” associada a estratégia do isolamento, ou da privatização da vida, em detrimento do estreitamento dos laços de solidariedade e interação social para a solução dos problemas coletivos.

É isso mesmo, um dos principais efeitos
colaterais diretos da cultura do medo é o afastamento progressivo do sujeito
dos espaços de convivência social, da coletividade que caracteriza a comunidade.
A ideia de que o perigo está no outro faz com que as pessoas sejam levadas a
imaginar que quanto menos convivência social plural elas tiverem, menor será a
probabilidade de que sejam vítimas da violência. Entretanto, o que essa escolha
provoca é justamente o oposto do que ela promete, ou seja, nos afastamos da
vida social para diminuir a nossa sensação de medo, só que quanto mas sós nos
tornamos, quanto mais abandonamos os nossos vínculos sociais (associações,
sindicatos, conselhos, grêmios, partidos políticos, grupos de pais, etc.), mas
ficamos a mercê de nós mesmos e, portanto, mais e mais medo teremos.
A solução
para problemas coletivos, de mais a mais, só pode ser encontrada coletivamente;
daí o equívoco de que é possível se resolver, privadamente, o problema da
(in)segurança pública, por exemplo. Somente por intermédio das organizações e
instituições sócias coletivas, governamentais ou não governamentais, do
fortalecimento do debate público e da reafirmação da legitimidade dos poderes
constituídos democraticamente, será possível se pensar uma alternativa ao
dilema pós-moderno, qual seja: reconhecer, incluir e conviver com o outro
(diferente), sem deixar-se envolver pela paranoia do medo do outro.
É nessa
perspectiva que o cientista Político Michael Maffesoli em seu “A Transfiguração do Político”, alerta
para o fato de que a única saída possível para tempo contemporâneo é o
reconhecimento e a aceitação das diferenças sociais, culturais, sexuais,
políticas, e nacionais como característica inevitável desse novo ambiente,
traçando estratégias de inclusão acolhedora do diferente no espaço público
(coletivo) de convivência. Por isso a tríade escola-família-cidade assume papel
relevante na configuração dessa nova dinâmica social, vez que, sendo esses os
primeiros e os principais espaços de socialização dos indivíduos, lugares nos
quais os sujeitos se sentem mais instigados a atuarem para melhorar as suas
vidas, o esquema urbe-escola-casa inclusivas e multiculturais passa a ser o
principal palco de debate e vivência capaz de encampar com êxito a discussão
dos anseios mais diretos do cidadão, como bem define Zygmunt Baumam no “Confiança e Medo na Cidade”.
Enfim,
entre Modernos e Pós-Modernos, certo é que a escola a família e a cidade assumem
o papel de principais vetores de viabilização civilizatória para a vida em comunidade, vez que é nelas que pode
se realizar o projeto que representa uma alternativa ao isolamento provocado
pelo medo, qual seja: a constituição de um espaço público de convivência
coletiva entre os sujeitos, iguais e diferentes, em troca e harmonia. A participação
cidadã e a fiscalização dos poderes constituídos, a confiança na eficiência e
seriedade das instituições e a certeza de que “o homem não é uma ilha”, como
nos disse Aristóteles, são as chaves para a construção dessa nova realidade.

Não há neutralidade nessa questão, como
bem refletiu o Patrono da Educação brasileira: ou a perspectiva de mundo, de
educação, de sociedade é inclusiva ou excludente. Não há educação, consciência
ou individuo humano neutro!
A posição que a família e a escola assumem diante dessas visões de mundo se materializam no espaço público de convivência comunitária nas cidades e definem o caminho que, coletivamente, determinamos para a nossa sociedade.
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(Carta aos Missionários. Uns e outros, Álbum: Uns e Outros, 1989) |
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