segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A PELJA DA LEI COM OS COSTUMES NA CULTURA POLÍTICA TUPINIQUIM

| Foto: Ilustração/Felipe Mayerle



Vamos começar pelo óbvio: cumprir a lei não é uma escolha, mas um imperativo para os agentes da administração pública: se o secretário, o vereador ou o prefeito agirem em desacordo com a lei, os órgãos de controle, sobretudo o TCE e o MP agirão energicamente. 

Feita essa ressalva inicial necessária para evitar interpretações equivocadas, pode-se observar que em alguns casos, novas administrações públicas municipais empossadas no ano corrente enfrentam problemas de ordem cultural, quer dizer,  no campo dos costumes, para implantar um novo modelo de gestão baseada na observância da lei erga omnes, ou seja: válida para todos, gestores e população em geral.

Mudanças culturais, entretanto, são sempre as mais lentas e a nossa cultura política parece ainda sofrer influência, pelo menos em parte, da velhas máximas e práticas da velha política. Talvez isso se dê (apenas talvez) como desdobramento de que o voto também ainda possa ser decidido, em alguns casos, pela expectativa de vantagens e privilégios pessoais, e não de benefícios coletivos, da conquista de direitos (Se isso é fato, em que medida ocorre?).

Diante desse possível retrato da realidade e dos desafios da mudança, devem os novos gestores jogarem a toalha e deixarem tudo como dantes no quartel de Abrantes? Se quiserem deixar a sua marca fazendo algo diferente, não. Mas, ao mesmo tempo, considerando que não se muda a realidade e a cultura política de um povo por decreto, resta a seguinte questão: quantas casas é possível avançar nessa trajetória de mudança de cultura administrativa contando com a compreensão e aceitação da população? É possível uma mudança de cultura administrativa sem uma igual e concomitante mudança da cultura política?

É sabido, desde Victor Nunes Leal (Coronelismo, Enxada e Voto, 1948), que um traço da cultura política brasileira está ligado as ideias de clientelismo (troca de favores) e ao patrimonialismo (uso do poder público para fins privados), de modo que mesmo a redemocratização dos anos de 1980 não exterminou completamente essa característica da nossa política, ainda que tenha sido capaz de, em alguma medida, diminuí-la. Outra questão que a essa se associa é a precária formação política da população, já que, como é vista como algo essencialmente ruim, a política como objeto de estudo científico-racional não faz parte da formação escolar e nem mesmo universitária brasileira (salvo nos cursos específicos da área), fato que pode ser observado pela característica do debate público nacional, desapartado de conceitos fundamentais do universo sociopolítico, minimamente necessários para uma tomada de consciência sobre a realidade.

Se for possível atribuir alguma validade a essa análise preliminar até aqui exposta, a peleja do título desse breve escrito começa a fazer sentido: É preciso mudar, mas qual a velocidade possível da mudança, dado o fato do atual estágio da cultura política e dos costumes predominantes no seio social? O poderoso exército norte-americano, por exemplo, não foi capaz, com dinheiro, força e armas, de implantar a democracia no Afeganistão, por quê? Por uma questão simples: a democracia é uma construção da cultura política do povo; se a população não introjeta os seus valores (igualdade, liberdade, legalidade, laicidade etc.), ela não vinga. Isso vale para qualquer outra análise, inclusive para essa que se propõe e que é bem mais simples, dado o fato de já sermos uma democracia.

Enfim, talvez a primeira e maior tarefa das novas administrações seja comunicar de maneira clara e eficiente com a população os fundamentos, os propósitos e os benefícios que as ações (e o modo de agir) da nova gestão trarão em curto, médio e longo prazo para a cidade coletivamente considerada. É preciso que os formadores de opinião da cidade compreendam a lógica e o propósito do novo modelo para, convencidos da sua validade, defendê-lo falando a mesma língua, esclarecendo a população em geral para garantir a validade da proposta e o apoio popular ao novo governo. Audiências públicas, plenárias populares, formação política da juventude, escuta da população, dentre outras práticas formativas-comunicativas são essenciais para a validação do novo modelo, pois o apoio popular necessário nas democracias é produto da compreensão e da sua principal consequência: o convencimento.

Enfim, tratando-se de uma análise e, portanto, apenas de uma leitura dentre muitas outras possíveis da realidade, cabe as novas gestões avaliarem, em primeiro lugar se enxergam validade no que foi exposto e, caso a resposta seja positiva, se possuem os instrumentos para dar conta dessa tarefa, qual seja: promover uma comunicação política que seja esclarecedora, formativa e capaz de conquistar, pela validade e acerto da proposta apresentada, o convencimento e consequente apoio da população.

Lideranças locais com experiência administrativa e/ou política são sempre uma fonte de conhecimento empírico da cultura política de um dado povo ou comunidade, de modo que podem ser termômetros sociais do movimento de mudança. Ao fim e ao cabo, o que as novas administrações que desejam fazer esse movimento de mudança mais acentuada no modus operandi da gestão e da política precisam avaliar é se, na base, estão dadas as condições objetivas para tal mudança, ou seja: em que medida é possível, no campo da cultura política, promover e consolidar novos e diferentes costumes, tendo como fundamento e limite a observância da lei.

 

 

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