segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

ARMADILHAS DA POLÍTICA


O inimigo mora ao lado? Sem o ponto de interrogação esse é o título do famoso filme do Diretor Ron Oliver, lançado em 2013, com grande sucesso de público e crítica. Porém, traz também uma mensagem da teoria política clássica: cuidado com o entorno!

Quando olhamos para a disputa do poder por uma perspectiva histórica, como bem orientou o pai da Ciência Política, Nicolau Maquiavel, percebemos que em diversos casos a corrosão de principados, reinos e governos se deu de dentro para fora, em movimentos endógenos, ou seja, foram consequências das disputas internas por espaços de poder entre sujeitos próximos, teoricamente aliados. Em uma linguagem contemporânea, podemos observar que bases de apoio aparentemente sólidas vão se esvaindo quando interesses individuais vão sendo frustrados: aliados de ocasião tendem a não defender o projeto de grupo quando suas pautas próprias não são atendidas, já que, nesses casos, a parte se sobrepõe ao todo. 


O grande desafio estratégico do grupo que ocupa o poder é identificar tais movimentos internos, pois em regra não são declarados, se desdobram na própria engrenagem de forma latente por atores classificados na categoria de aliados. Não se trata aqui de rompimento político, caso clássico de oposições que surgem no decorrer do mandato de dentro da própria gestão e montam palanque e discurso para atacá-la declaradamente, jogando o jogo aberto da política. Não é disso que estamos tratando, mas, especificamente, dos casos nos quais os agentes permanecem no grupo e gozam do status de aliado, porém estão atentos e dispostos a mudar agir corrosivamente se houver expectativa de maiores vantagens e atendimento de demandas pessoais. Até o leitor mais desatento lembra da distinção feita por Maquiavel entre os exércitos próprios e os exércitos de mercenários: pode-se vencer com ambos, mas a manutenção do poder estará em risco permanente quando os guerreiros não são soldados da causa, mas de interesses próprios.


Aliás, como movimentos conspiratórios ou de corrosão interna de poder se materializam sem que os governantes o identifiquem a tempo de evitá-lo? 


A reposta vem de um outro gigante do pensamento político clássico: Thomaz Hobbes. Para o escritor de O Leviatã, a natureza humana propicia uma característica que torna o indivíduo humano extremamente perigoso, que é a capacidade de dissimular, quer dizer, de fingir gostar do que não gosta, sentir o que não sente, ser aliado de quem não é. Nenhum outro animal possui essa habilidade, o que coloca o homem no topo do ranking dos seres mais perigos.


Conhecer essas questões da natureza da política e da natureza humana é condição essencial para quem decide entrar no jogo político, pois diminui substancialmente as surpresas quando os fatos se derem (não se trata de se vai ou não acontecer, mas de quando vai acontecer).

Os livros não se tornam clássicos por acaso, geralmente resistem ao tempo justamente pela mensagem atemporal que trazem. Em razão disso, quanto mais os conhecemos menos surpreendentes são os eventos que presenciamos ou vivenciamos na arena do jogo do poder, pois o repertório da história não é tão vasto assim, pelo contrário: a velha história é muitas vezes enfadonhamente repetitiva, no rastro do que dizia um outro autor clássico do pensamento político, o velho Karl: "Os grandes fatos da história sempre se repetem. A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa".


A política não é feita só disso, há nela também compromisso, lealdade espírito público, dedicação a causas coletivas, companheirismo, empatia e alianças estratégicas que precisam ser feitas. 


Enfim, podemos terminar fazendo uma adaptação daquela mensagem do grande Ben Jor, em Engenho de Dentro, para a política: olhos abertos, atenção e perspicácia não fazem mal a ninguém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário