sexta-feira, 7 de julho de 2017

SOB PRESSÃO: VIOLÊNCIA NA RMR SE EXPANDE DAS MARGENS PARA O CENTRO E ROMPE O "LIMITE DA TOLERÂNCIA".

A criminalidade violenta tende a ser um problema maior quanto mais ela atinge setores da sociedade que tem poder de pressão sobre os governos, ou seja, quando passa a ser um problema palpável também para os incluídos.

As mortes violentas em Pernambuco, no que pese o absurdo dos números, atingem em regra e historicamente pessoas de extratos sociais menos abastados, não detentoras dessa capacidade comunicativa de denúncia, cobrança e articulação social, muitas vezes por ausência de acesso aos meios de comunicação social de massa e as instituições oficiais do Estado. A pressão sobre o governo, portanto, ocorre em níveis suportáveis e controláveis.

Se a violência percebida no Estado ocorresse de forma menos concentrada e atingisse em números regulares espaços geográficos e grupos socioeconômicos mais próximos a classe média nos bairros mais tradicionais e urbanizados, já estaríamos vivenciando um estágio de convulsão social agudo com os números existentes.

Quando decidi escrever esse post lembrei imediatamente de um trecho da introdução de um pequeno grandioso livro do professor Luciano Oliveira, de quem fui orientando no mestrado, intitulado Do Nunca Mais ao Eterno retorno: Uma Reflexão Sobre a Tortura (1), no qual o autor traz ao debate o Capitão Segura, figura dos tempos ditatoriais da Cuba de Fulgencio Batista, que dizia estarem equivocados os que pensavam que a sociedade era dividida entre opressores e oprimidos, sendo a verdadeira divisão aquela que ocorre entre duas classes: “a dos torturáveis e dos não torturáveis”.  Algo parecido, nos termos do jus-filósofo italiano Giorgio Agamben, com o "homo sacer", figura do direito Penal arcaico do império romano que definia aquele que podia ser morto por qualquer um sem consequência jurídica (2).

Seguindo o mote inicial, temos que quando a criminalidade mais crua começa a atingir o grupo social historicamente menos vulnerável a sua manifestação violenta direta, principalmente com homicídios, latrocínios, roubo com uso de arma de fogo, estupros etc., a tendência é que a sensação de insegurança e a intolerância a episódios corriqueiros passem a ser acentuados. Não é necessariamente o aumento das taxas de criminalidade, violência, crueldade, banalidade ou torpeza que a caracteriza, mas fundamentalmente uma mudança no perfil da vítima. Dito de outra forma: quanto mais a criminalidade violenta se movimenta das margens para o centro, das encostas para o asfalto ou da comunidade para o bairro, maior será a pressão social sobre os governos para uma atuação mais efetiva e resolutiva sob a questão.

Essa diferença entre sensação de insegurança e probabilidade real de ser vítima de um evento violento é extraordinariamente bem tratada e demonstrada numa obra monumental de Danel Míguez e Alejandro Isla, doutores em Sociologia e Antropologia, respectivamente, intitulada Entre La Inseguridad e el Temor Instatáneas de la Sociedad Actual (3). Para os professores da Universidade Nacional de Buenos Aires, vários fatores, para além da ocorrência do crime em si, concorrem para que se propague a sensação de insegurança no seio social, dentre eles a atuação da mídia na forma e na frequência da divulgação das ocorrências, bem como a confiança da população no sistema de justiça criminal do Estado capaz de fazer frente a investida da criminalidade, notadamente as corporações policiais, a atuação do Poder Judiciário e as agências e instituições estatais encarregadas de promover políticas públicas de prevenção e controle da criminalidade. Nas palavras dos autores: “Aquilo que faz com que uma pessoa esteja exposta a ser vítima de um delito não coincide exatamente com o que faz que tenha temor de enfrentar essa situação. Ou seja, a probabilidade real de alguém ser vítima não determina por si mesma a intensidade da sensação de que a qualquer momento poderá sê-lo” (p. 14 – tradução livre).

Nesse sentido, percebemos que nos últimos dias Pernambuco vem vivendo episódios de violência explícita que colocam na cena do crime, na condição de vítimas, estudantes (4) e professores universitários (5), profissionais liberais (6),  comerciantes, religiosos (7), enfim, um grupo não convencional de vítimas de crimes violentos,  em ações que ocorrem em área mais urbanizadas das cidades, em tese mais seguras.

Nesse contexto, ainda que o governo do estado apresente números com eventual diminuição de indicadores específicos, principalmente de CVLI's (Crimes Violentos Letais Intencionais), a sensação de insegurança dificilmente será arrefecida, pois estará sendo propagada por setores sociais com muito mais potencial de publicizá-la, seja nas redes sociais, na mídia tradicional ou nos ambientes institucionalizados da sociedade com maior capacidade de influenciar a opinião pública.

Se o exposto tem coerência fática, segue-se a seguinte hipótese: ainda que os números caiam, a pressão sobre o Governo e a sua política de segurança pública tendem a, inversamente, subir.

Vamos observar e aguardar os acontecimentos dos próximos dias.

Isaac Luna

REFERÊNCIAS CITADAS NO TEXTO

(1) OLIVEIRA, Luciano. Do Nunca Mais ao Eterno retorno: Uma Reflexão Sobre a Tortura. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Coleção Tudo é História, n. 149)

(2) AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer – O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010

(3) MÍGUEZ, Danel; ISLA, Alejandro. Entre La Inseguridad e el Temor Instatáneas de la Sociedad Actual. Buenos Aires: Paidós, 2010 (Temas Sociales n. 63)





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