sábado, 28 de janeiro de 2017

O JUÍZO FINAL

O fato de Facebook e o WhatsApp terem se tornado maquinas de julgamento sumários e sentenças condenatórias das mais duras é apenas um sinal, uma das características de um ambiente social em plena degeneração ética e democrática.

Como responderíamos se fossemos perguntados de onde vem os elementos para esse julgamento, quais são as provas, as evidencias? Os juízes conhecem o caso, ouviram o contraditório? Ou estamos nós diante do puro exercício do desejo de vingança contra qualquer um para satisfazer os sentimentos reprimidos de injustiça, insegurança, culpa e desejo de superioridade moral?

A despreocupação com a verdade, com a comprovação do que se defende ou acredita parece está se tornando regra. Matérias jornalísticas, ou pior, posts de blogs suspeitos e opiniões de pessoas sem qualquer ligação profissional ou acadêmica com o assunto passam a ser replicados como verdades absolutas, incontestáveis, de modo que os que se atrevem a lançar dúvidas sobre os critérios usados para a imposição da sentença são imediatamente acusados de cumplicidade, motivação por interesse pessoal, ou doutrinação partidária. Pensar, refletir, questionar, ponderar, principalmente acerca dos pontos de vista da grande imprensa tornou-se algo subversivo na pátria amada Brasil, ou melhor, voltou a ser coisa de comunista, de gente que deve “ir pra Cuba”, tal qual ocorria nos anos de regime militar, não tão distantes assim.

Nessa pisada, o jornal britânico Financial Times publicou no último dia 10 de Janeiro, uma matéria especial sobre o crescimento do neonazismo no Brasil, apontando a ascensão de figuras como Jair Bolsonaro e de movimentos de extrema-direita como algo simbólico – e ao mesmo tempo preocupante – no cenário de crise pela qual passa o País.

O fato é que, se a história pode nos ensinar algo, a crescente ojeriza ao pensamento contrário (que é a essência mesmo da democracia), a intolerância nas suas mais diversas manifestações (há, no contexto atual, até o ressurgimento de movimentos separatistas!), e a prevalência de discursos moralistas (qual a moral dominante? A moral de quem?), formam um ambiente propício para a reedição de capítulos históricos que se pensava fora de cogitação.

Os julgamentos sumários e de exceção das redes sociais, quase sempre revelando o desejo de extermínio do outro (Sartre estava certo, “O inferno são os outros”?), são apenas a manifestação mais visível de uma subjetividade valorativa dominante no seio social (Nietzsche estava certo: “O único cristão morreu na cruz”?).

O passado pode está bem ali na nossa frente, encoberto por uma cortina de fumaça sustentada pela opinião ensimesmada, o desejo de superioridade moral e a incapacidade de conviver com o diferente.

O nazismo alemão, o fascismo italiano, ou mesmo os regimes militares da América Latina, incluído o brasileiro, contaram com apoio popular para se manterem pelo longo período que se mantiveram, embora hoje, ou mesmo logo após as suas derrocadas, os seus apoiadores populares tenham sumido, como se nunca tivessem existido, como se tudo aquilo tivesse sido um absurdo e uma pura violência imposta a sociedade. A história é assim: quando a cortina de fumaça vai se esvaíndo, os apoiadores dos regimes moralistas e intolerantes tendem a se recolher no anonimato ou a negarem suas certezas naquele momento.

Iremos esperar o tombo para nos recolher, ou, abrir os olhos no nevoeiro e evitar o retrocesso que bate a nossa porta?

Reflitamos!
Isaac Luna

*A charge que ilustra o post é conhecida, assinada pelo famoso cartunista TigreEndereço eletrônico da imagem: https://lh3.googleusercontent.com/-avtAd-tUTdA/VaAnkrUgMzI/AAAAAAAAg5g/YVcw6kbDpZo/w800-h800/11403306_301678903289804_2711804148986508581_n%255B1%255D.jpg


Um comentário:

  1. Há uma experiência empírica, quase sempre moldada pelo inconformismo da inabilidade do Estado em prover os mínimos sociais, notadamente segurança pública e combate a corrupção. E a inercia estatal está construindo uma ideologia de autotutela, na qual a justiça deve ser feita, independentemente de qual seja o meio, o formal (devido processo judicial), ou aquele informal, a partir das redes sociais e com base me fatos e circunstâncias, que na maioria das vezes distorce a realidade.
    Não bastasse a falência das instituições em combater e fazer aquilo que deveria, há uma crescente manifestação midiática (irresponsável) na construção de um realidade com um intuito: atingir suas finalidades.
    Contudo, tais manifestações midiáticas, promovem a construção de uma sociedade raivosa, justiceira e intolerante, que poderá a qualquer momento se voltar contra aqueles que iniciaram esse processo por meros interesses econômicos e políticos.

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