A delação da odebrechet, que implica um
número razoável de políticos dos mais variados partidos, cria o campo adequado
para o que poderíamos chamar, em uma análise política com tempero nordestino,
de teoria do balaio. O que é isso, como funciona esse
raciocínio?
Antes é preciso confessar que uma parte
da inspiração desse post vem de um fantástico e conhecido texto de Bertolt
Brecht intitulado "Se os Tubarões Fossem Homens?", uma
alegoria sobre o poder ocorrida no fundo do mar (1).
Então vamos lá:
Quanto mais cheio o balaio e,
principalmente, quanto mais cheio com peixes graúdos, mais pesados (os ditos
"tubarões"), mais difícil torna-se de virá-lo.
- Por que?
A improvável tarefa de virar o balaio
sem derrubar todos os peixes, ou a sua maioria, ou os maiores, faz com que se
busque alternativas de não virá-lo, criando um campo de proteção que deixe
espaço apenas para cair alguns peixes que estão pelas beiradas e podem cair sem
que o balaio precise ser virado. A estratégia é permitir apenas algumas sacudidas
no balaio para que caiam peixes de menor porte ou, mesmo alguns de grande porte
mas já sem força nas nadadeiras ou trânsito livre com os tubarões-chefes,
aqueles que estão nos postos de comando. Com isso se evita ou minimiza a
níveis controláveis a crítica de que "não deu em nada", que a Justiça
não pune os poderosos, que “tá tudo dominado!”, etc.
Algumas cabeças precisam rolar para que
tudo acabe bem, ou, como diria Tomasi di Lampedusa em uma das grandes obras da
literatura universal, intitulada O Leopardo: "Algo deve mudar
para que tudo continue como está" (2).
Tenciona-se, em razão disso, a que
Peixes que nadam em águas diferentes, que são a princípio adversários, busquem
um acordo para que o balaio seja mantido de pé.
Aqui reside a tese: Quanto
mais peixe graúdo dentro do balaio, mas difícil de vira-lo. Quanto mais
gente influente, de um número maior de partidos e do mundo empresarial
estiverem envolvidos nas denúncias e delações, mas difícil que elas prosperem a
ponto de virar a mesa do poder.
Hoje o xadrez da virada do balaio passa
por uma questão, ou mais especificamente, por um peixe bem determinado. Dito de
forma direta: é possível que o Lula caía do balaio sem que isso implique a
queda de outros grandes personagens? Ou: não virar o balaio implica também em
não derrubar o Lula?
Os mais graúdos tubarões da política
brasileira estão no balaio, ou prestes a entrar nele com a possível (ou não)
homologação do último lote de delações da lava-jato, criando um peso enorme,
que exigirá muita força para colocá-lo de ponta-cabeça.
Se ainda for possível considerar como
válida a tese apresentada pelo cientista político Guilhermo O’Donnell como
resultado de uma análise que já tem três décadas (3), ou seja: a de que o
Brasil é um país cômodo para os políticos em razão da contunde ausência de uma
sociedade civil politicamente organizada que possa fazer pressão contrária aos
interesses endógenos dos "Donos do Poder" (pra não esquecer Faoro), o
balaio, ou a mesa na qual está o banquete do poder, tente a não virar.
Os movimentos das próximas semanas serão
cruciais para essa definição. É aguardar com atenção para ver para onde
correrão as aguas, sem perder de vista, nunca, o que nos diz o escritor e poeta
russo Maiakóvski: “O mar da história é agitado...” (4).
(1) LAMPEDUSA, Giuseppe
Tomasi di. O LEOPARDO. Editora Dom Quixote: Lisboa, 2014.
(2) BRECHT, Bertolt. Se os
tubarões fossem homens. In: Histórias do Sr. Keuner.
Madri. Alianza Editorial. p. 27-29.
(3) O’DONNELL, Guilhermo.
Hiatos, Instituições e perspectivas Democráticas. In: A Democracia no
Brasil: dilemas e perspectivas. REIS, Fabio Wanderley; O’DONNELL, Guilhermo
(org). São Paulo: Vértice, 1988.
(4) MAIAKÓVSKI, Vladmir. E
ENTÃO, QUE QUEREIS?.... Rússia. 1927:
Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não
estamos alegres,
é certo, mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
é certo, mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado.
As ameaças e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio, cortando-as
como
uma quilha corta as ondas.
*Imágem ilustrativa capturada de cena do
filme Procurando Nemo (Pixar- Disney, 2003)
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