terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O CARNAVAL E A ECONOMIA DA CULTURA: PARA ALÉM DA CRÍTICA FÁCIL

A cobertura feita por alguns programas televisivos sobre os bastidores do carnaval, ou seja, sobre os entornos dos polos de folia e dos vendedores que se misturam aos foliões, evidenciam algo que uma visão estreita e reducionista sobre o assunto muitas vezes não observa: os ciclos culturais são também ciclos de fomento da economia, sobretudo popular.

Uma outra consideração inicial para  clarificar as premissas do debate proposto: por critica fácil entendemos aquela que baseia-se exclusivamente na afirmação de que "é melhor investir em educação e em saúde do que em festa". O argumento é um lugar comum, posto que educação e saúde públicas são os mantras de qualquer discurso de governo e objeto de desejo de melhora da opinião pública. Contudo a tese, mesmo que de boa fé, deixa de considerar que educação e saúde são políticas públicas em rede que envolvem a federação, os estados e os municípios e tem repasses de recurso e investimento obrigatórios, definidos constitucionalmente, 25 e 15 por cento, respectivamente (somando 50%). 

Quanto a política pública de cultura, não há vinculação de recursos obrigatórios, sendo que os investimentos públicos nessa área não passam de 0,5% dos orçamentos - em média!. Se os investimentos em cultura fossem integralmente suspensos e os recursos destinados para as políticas públicas reclamadas no argumento (0,25% para cada uma), isso não resolveria os eventuais problemas e demandas da educação nem da saúde e, de quebra, ainda nos tornaríamos um país sem cultura.

Dito isto, vamos ao contra-argumento, pensando a cultura como um vetor econômico da sociedade:

Milhares de serviços regulares 'bombam' em períodos festivos nos locais onde a organização e a programação atraem o público: hotéis e pensões lotadas (com a contratação de trabalhadores temporários para suprir a demanda), táxis e uberes rodando em tempo integral, comedorias lotadas, salões de beleza com clientela ampliada, comércio de roupas e calçados aquecidos, etc.

Ao lado disso, o chamado comércio informal, principalmente o formado por vendedores ambulantes, movimenta milhões de reais que muitas vezes garantem a compra do material escolar, o pagamento do aluguel, a quitação de dívidas, a prestação do minha casa minha vida, a feira do mês etc., de também milhares de famílias que dependem dessa atividade: vendedores de cervejas, refrigerantes, água, espetinhos, batatinha, cachorro-quente, camisetas, copos de acrílico, óculos escuros, adereços de fantasias, espuma, confetes, balões, enfim, uma infinidade de produtos que compõe o cenário da festa.

A contratação de artistas e estruturas também movimenta uma grande gamas de profissionais, os chamados fazedores de cultura e trabalhadores da cultura, gente ligada direta ou indiretamente na produção artística do evento que compõem a sua cadeia produtiva e vai desde o artista em cima do palco ao eletricista, o técnico de som, o motorista da van ou do ônibus, os montadores, o coordenador de palco, os maquiadores e muitos outros profissionais necessários para que a festa ocorra.

A produção econômica da cultura, melhor dizendo, a economia criativa que se apresenta, dentre outras modalidades, pelo artesanato, customização, reciclagem, etc., por sua especificidade, demandam um post a parte.

Enfim, recurso público destinado a cultura não deve ser inserido na rubrica de gastos, mas, pela sua natureza, na de investimento social e econômico. Além de cumprir o papel simbólico de preservar a história, a tradição e a identidade do povo, a cultura forma cidadãos, gera renda, empregos, serviços e movimenta, mesmo em tempos de crise como o que atravessamos, a economia que os banqueiros e especuladores do mercado financeiro ligados aos novos donos do poder estancaram.

Reflitamos!

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