terça-feira, 5 de março de 2019

MAQUIAVEL, MARX E O SAMBA DE GONZAGUINHA, OU: O MASSACRE CONSENTIDO DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES.




Dos ensinamentos maquiavélicos disposto no “O Príncipe”, de 1513, um deles é bastante categórico e atual, principalmente para o que vivemos hoje na estratégia de recolonização dos trabalhadores brasileiros, qual seja: dividir para dominar. 

Para o Pensador Florentino o exercício do poder e da dominação se torna bem mais simples se o príncipe, com perspicácia, dividir os seus opositores, fragmentá-los, coloca-los em disputa interna. É muito mais fácil derrotar vários opositores em batalhas isoladas do que vencer todos os opositores juntos em uma grande batalha.

Pois bem, o exercício do poder econômico passa necessariamente pelo controle do sistema produtivo e, consequentemente, das relações de trabalho, suas regras e limites. Nesse contexto, o sindicato representa a união política dos trabalhadores na correlação de forças negocial entre os donos do poder econômico e o obreiro que vende a sua força de trabalho em troca de um salário. O sindicato é materialização daquela máxima cantada e decantada no conhecimento popular: unidos somos mais fortes!

O art. 8º da Constituição Federal de 1988 garante o direito a sindicalização dos trabalhadores e CLT, dos seus arts. 611 a 625 coloca o sindicato como o sujeito coletivo responsável pelas negociações com as empresas ou sindicatos patronais para celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho. O princípio que está por detrás disso é muito objetivo: a classe trabalhadora politicamente organizada estará muito mais próxima de uma condição de igualde negocial com o detentor do poder econômico na busca de melhores condições de trabalho e remuneração. Sozinho o obreiro terá pouca força para negociar com o dono do posto de emprego, ficando demasiadamente vulnerável na negociação e muito mais propenso a ceder aos interesses ou condições impostas pelo patrão.

E então, justamente por isso é o sindicato que precisa ser enfraquecido, desacreditado, esfacelado ou até mesmo aniquilado para promover a dispersão dos trabalhadores, criar conflitos internos na classe e dividir – para melhor dominar.

Como a turma não brinca em serviço, a Lei n. 13.467/17, também conhecida como reforma trabalhista tratou de acabar com a contribuição sindical compulsória, através da qual o trabalhador contribuía com a remuneração de um dia de trabalho durante o ano para manter o sindicato (você sabe quantos dias de trabalho o trabalhador paga ao governo em forma de impostos?). A partir da reforma o obreiro precisa autorizar expressamente o empregador a promover o desconto anual para o sindicato, o que, com uma forte campanha midiática de vilanização das organizações sindicais fez com que muitos trabalhadores não desses a referida autorização, enfraquecendo sobremaneira os sindicatos.

Lembre: se preciso dividir para dominar e o sindicato é o ponto de união da classe trabalhadora, quem então preciso esfacelar para garantir a divisão?

O processo de aniquilação dos sindicatos como estratégia de divisão para melhor dominação botou novamente o bloco na rua na sexta-feira de carnaval com a publicação da MP 873, determinando que o pagamento da contribuição sindical deverá ser feita exclusivamente por boleto bancário. Isso significa que não há mais autorização do empregado ao empregador para o desconto, mas sim a emissão de um boleto com o qual o trabalhador tem que se dirigir ao banco e pagar voluntariamente a sua contribuição sindical; a propósito, você pagou a taxa de bombeiro que vem junto com o carnê do IPTU?

Derradeiramente, a reforma trabalhista passou a considerar, por meio da inclusão do art. 611-A na CLT, que o que for negociado entre trabalhadores e empregadores por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho prevalecerá sobre o que dispõe a lei sobre o mesmo tema. A PEC 300, a propósito, propõe a constitucionalização da prevalência do negociado sobre o legislado, alterando o inciso XXVI do art. 7º da Constituição Cidadão de 1988!

Ora, se quem negocia com os patrões em representação do trabalhador é o sindicato (arts. 611-625 da CLT), nada mais genial do que bater com cano de ferro nele, jogando-o ao chão, para negociar com um sindicato fraco, ferido e desacreditado. A jogada foi brilhante... Bingo, Maquiavel! 

O mais impressionante de tudo isso, o que merece uma nota histórica sobre o momento que vivemos, diz respeito ao fato de que o desmonte dos direitos trabalhistas e das organizações políticas de defesa do trabalhador se dá não só sob o ensurdecedor silêncio com também com a complacência e apoio de parte considerável dos próprios trabalhadores. A isso, Karl Marx chama de ideologia...

Em 1846, ao escrever “A Ideologia Alemã”, o barbudo subversivo se proponha a investigar cientificamente o seguinte problema: “Como a ideologia mascara a divisão do trabalho e gera a alienação?”. Segundo Marx, as ideias dominantes de uma época são ideias da classe política e economicamente dominante dessa determinada época – o que, na verdade, dá no mesmo, pois segundo ele a classe economicamente dominante, justamente por ser economicamente dominante, se torna também a classe politicamente dominante e, por esse turno, passa a ter o monopólio de legislar, transformando o direito em instrumento de defesa dos seus interesses e por via de consequência, de dominação. Assim, o papel da ideologia é “inverter a realidade”, fazendo com que a classe trabalhadora acredite que as teses apresentadas pela classe economicamente dominante na defesa dos seus interesses particulares são também teses que interessam a defesa dos interesses dos trabalhadores. Daí a existência de gente assalariada defendendo ou silenciando diante do desmonte dos direitos trabalhistas.

Para que a dominação não pareça despótica é preciso fazer crer que ela é racional, boa e desejável. Em outras palavras: é preciso fazer crer que os interesses econômicos da classe dominante são também bons para toda a sociedade, formada majoritariamente por trabalhadores não proprietários de capital financeiro ou meios de produção em escala... Bingo, Marx!

E o samba de Gonzaguinha, o que tem a ver com isso?

Ah, todo a ver – é síntese de tudo que foi dito nessas linhas. Bom carnaval e se abraça ai com essa promoção...

COMPORTAMENTO GERAL

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?

Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal

E um Fuscão no juízo final
Você merece, você merece

E diploma de bem comportado
Você merece, você merece

Esqueça que está desempregado
Você merece, você merece

Tudo vai bem, tudo legal

(Gonzaguinha. Álbum: Luiz Gonzaga Jr., 1973)

Um comentário:

  1. Qual o melhor BOM DIA? aquele que Deus preparou ou o que seu amigo desejou?
    Tudo vai bem um ESCAMBAL temos que tretar o outro como IGUAL mesmo que seja totalmente diferente.
    Bela e prudente reflexão para o Carnaval. Um abraço

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