segunda-feira, 18 de março de 2019

CULTO A VIOLÊNCIA E BANALIZAÇÃO DO MAL: O EXTERMÍNIO NAS ESCOLAS É APENAS O SINTOMA MAIS VISÍVEL DA PATOLOGIA SOCIAL

O texto deste post é uma adaptação das reflexões que propôs na reunião do GGIM - Gabinete de Gestão Integrada Municipal de Jaboatão dos Guararapes/PE, do qual participava na condição de assessor especial do prefeito para segurança pública. Na ocasião, 18 de outubro de 2011, estava na pauta de deliberação do Gabinete a implantação do projeto "Escola Legal", um acordo de cooperação técnica entre o Tribunal de Justiça, a Universidade e a Prefeitura voltado para a solução da violência nas escolas. 

Isto posto, vamos ao foco do problema:



“O Homem é ele e as suas circunstâncias”, anunciava o pensador espanhol José Ortega Y Gasset. Tomando-o como ponto de partida, somos forçados a admitir a delicada condição de incerteza dos dias atuais, caracterizada pela fluidez dos paradigmas que ergueram o que conhecemos por Modernidade, já que ser moderno, ou seja, estar de acordo com os paradigmas da Modernidade, significa confiar na  escola como instituição responsável pela socialização e transmissão do conhecimento formal e reflexivo para as crianças, na ciência como mecanismo de compreensão da verdade, no Direito como promotor da Justiça e no Estado como regulador e provedor da vida coletiva e do bem-estar social.


Ocorre que, se por um lado não estamos mais tão seguros e confiantes nesses postulados, por outro não inventamos ainda nada que possa substituí-los nos seus papeis sociais: o que colocar no lugar da escola, da ciência, do Direito e do Estado? Essa incerteza estrutural e paradigmática nos leva a uma condição inevitável de crise ético-valorativa, desestabilizando as relações e a vida social.

Um dos traços mais marcantes desse momento, chamado por uns de Pós-Modernidade, é representado pela constante desintegração da vida social e a consequente supremacia do individual sobre o coletivo. Esse modelo social tem como pano de fundo uma miopia grupal acerca do complexo e multicausal fenômeno da violência, provocando uma sensação generalizada insegurança e criando um ecossistema dominado pela denominada “cultura do medo.

A questão primordial, dado o fato, não é a existência da violência como um problema a ser solucionado, mas, antes, a solução que propomos como sociedade para ele. É justamente nesse ponto que a discussão torna-se realmente delicada, pois tem prevalecido a tese do “combate violento a violência” associada a estratégia do isolamento, ou da privatização da vida, em detrimento do estreitamento dos laços de solidariedade e interação social para a solução dos problemas coletivos.


Em relevante medida isso explica alguns aspectos paralelos da vida cotidiana, tais como a “febre” dos condomínios com um número cada vez maior de espaços e serviços internos para que o morador não precise sair para nada, mantendo-se seguro nos muros que o protege do outro, a supremacia comercial dos shoppings, a emergência dos resorts e clubes privativos, bem como o sonho do carro próprio, etc...

É isso mesmo, um dos principais efeitos colaterais diretos da cultura do medo é o afastamento progressivo do sujeito dos espaços de convivência social, da coletividade que caracteriza a comunidade. A ideia de que o perigo está no outro faz com que as pessoas sejam levadas a imaginar que quanto menos convivência social plural elas tiverem, menor será a probabilidade de que sejam vítimas da violência. Entretanto, o que essa escolha provoca é justamente o oposto do que ela promete, ou seja, nos afastamos da vida social para diminuir a nossa sensação de medo, só que quanto mas sós nos tornamos, quanto mais abandonamos os nossos vínculos sociais (associações, sindicatos, conselhos, grêmios, partidos políticos, grupos de pais, etc.), mas ficamos a mercê de nós mesmos e, portanto, mais e mais medo teremos.

A solução para problemas coletivos, de mais a mais, só pode ser encontrada coletivamente; daí o equívoco de que é possível se resolver, privadamente, o problema da (in)segurança pública, por exemplo. Somente por intermédio das organizações e instituições sócias coletivas, governamentais ou não governamentais, do fortalecimento do debate público e da reafirmação da legitimidade dos poderes constituídos democraticamente, será possível se pensar uma alternativa ao dilema pós-moderno, qual seja: reconhecer, incluir e conviver com o outro (diferente), sem deixar-se envolver pela paranoia do medo do outro.

É nessa perspectiva que o cientista Político Michael Maffesoli em seu “A Transfiguração do Político”, alerta para o fato de que a única saída possível para tempo contemporâneo é o reconhecimento e a aceitação das diferenças sociais, culturais, sexuais, políticas, e nacionais como característica inevitável desse novo ambiente, traçando estratégias de inclusão acolhedora do diferente no espaço público (coletivo) de convivência. Por isso a tríade escola-família-cidade assume papel relevante na configuração dessa nova dinâmica social, vez que, sendo esses os primeiros e os principais espaços de socialização dos indivíduos, lugares nos quais os sujeitos se sentem mais instigados a atuarem para melhorar as suas vidas, o esquema urbe-escola-casa inclusivas e multiculturais passa a ser o principal palco de debate e vivência capaz de encampar com êxito a discussão dos anseios mais diretos do cidadão, como bem define Zygmunt Baumam no “Confiança e Medo na Cidade”.

Enfim, entre Modernos e Pós-Modernos, certo é que a escola a família e a cidade assumem o papel de principais vetores de viabilização civilizatória para  a vida em comunidade, vez que é nelas que pode se realizar o projeto que representa uma alternativa ao isolamento provocado pelo medo, qual seja: a constituição de um espaço público de convivência coletiva entre os sujeitos, iguais e diferentes, em troca e harmonia. A participação cidadã e a fiscalização dos poderes constituídos, a confiança na eficiência e seriedade das instituições e a certeza de que “o homem não é uma ilha”, como nos disse Aristóteles, são as chaves para a construção dessa nova realidade.

A violência no ambiente escolar, das quais as tragédias recentes são apenas a ponta do iceberg, é o sintoma mais claro da patologia social que nos atravessa a goela. A prevalência, seja pela naturalização, pelo incentivo ou pelo silêncio omissivo de modelos éticos-valorativos que consideram a agressão, a exclusão e até mesmo o extermínio do outro como soluções válidas para os conflitos criam o ambiente subjetivo propício para a assimilação, sobretudo por parte dos sujeitos em fase de formação de suas consciências de mundo, de que há pessoas que não possuem direitos ou até mesmo que existem vidas que não merecem ser vividas em razão de diferenças sociais, culturais, éticas ou religiosas, na linha do fala o jus filósofo italiano Giogio Agamben no seu “Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I”.     
Não há neutralidade nessa questão, como bem refletiu o Patrono da Educação brasileira: ou a perspectiva de mundo, de educação, de sociedade é inclusiva ou excludente. Não há educação, consciência ou individuo humano neutro!


A posição que a família e a escola assumem diante dessas visões de mundo se materializam no espaço público de convivência comunitária nas cidades e definem o caminho que, coletivamente, determinamos para a nossa sociedade.

(Carta aos Missionários. Uns e outros, Álbum: Uns e Outros, 1989)


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