No
debate político brasileiro, livre graças às regras da democracia, tem surgido a
tese de que, mesmo que todas as provas levem a configuração dos ilícitos
eleitorais apontados na denúncia contra a chapa Dilma-Temer, o TSE deve
eximir-se de cassar o mandato de Temer em nome da manutenção da
"estabilidade econômica", ou da "retomada do rumo da
economia".
Levado
a cabo esse enunciado, o que teremos é subsunção da democracia pela economia,
validando, pelo menos a priori, a tese marxista de que a economia é o vetor por
excelência da vida social nas sociedades capitalistas. Os interesses econômicos
preponderariam sobre os demais campos de direitos e garantias, prevalecendo
sobre estes quando postos em conflito. Aplicar a lei, em determinados casos,
colocaria em cheque o movimento econômico e, portanto, não seria algo
desejável.
Lá
na famosa introdução da Contribuição à Crítica
da Economia Política (1859), diz o barbudo subversivo que nas sociedades
capitalistas não é a lei que regula a atividade econômica, mas essa que regula
e determina aquela, sendo “...a estrutura econômica da sociedade a
base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política...”(1).
Uma
das mais proeminentes releitoras do marxismo da atualidade, a professora de
Ciência Política na Universidade York, em Toronto, Ellen Wood, trata
especificamente desse tema em um livro intitulado Democracia Contra Capitalismo (2), alertando para o movimento de supressão de direitos, liberdades e garantias
democráticas provocadas contemporaneamente pela expansão do capital
especulativo internacional, de um mercado que teria força natural legitimadora
da sua ação.
A
estabilidade da economia defendida ao custo de provocar a instabilidade
democrática pode representar um risco social para o qual as consequências sejam
profundamente adversas. No seu O Futuro
da Democracia, Bobbio já nos alertava da inexorabilidade do respeito às
regras do jogo como condição indispensável para a vitalidade da democracia.
Fazer de conta que a regra não existe ou que o TSE não tem o dever
constitucional de julgar o caso aplicando a regra provocaria o que
convencionou-se chamar de insegurança
jurídica e imprevisibilidade das
expectativas de comportamento institucional. Que sociedade emergirá desse
quadro é algo sobre o que temos de discutir se estamos dispostos a pagar pra
ver.
O
fato é que, para além de um debate teórico sobre a democracia, o que a realpolitik
nos mostra é que no jogo do poder, parafraseando
o poeta Accioly Neto, “ pode acontecer
tudo, inclusive nada” (o não julgamento ou a não cassação), configurando
mais um capítulo da surrada ideia de que, com a força avassaladora do capital, “Tudo
o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado” (4).
(1) MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 3.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
(2) WOOD, Ellen Meiksins. Democracia Contra Capitalismo. São
Paulo: Boitempo, 2003.
(3) BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
(4) MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do Partido Comunista. Rio
de Janeiro: Garamond, 1998.
Endereço
eletrônico da imagem ilustrativa: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2016/12/13/tse-deixa-julgamento-sobre-chapa-dilma-temer-para-2017.htm
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