Vamos começar pelo óbvio: cumprir a lei
não é uma escolha, mas um imperativo para os agentes da administração pública:
se o secretário, o vereador ou o prefeito agirem em desacordo com a lei, os
órgãos de controle, sobretudo o TCE e o MP agirão energicamente.
Feita essa ressalva inicial necessária
para evitar interpretações equivocadas, pode-se observar que em alguns casos, novas
administrações públicas municipais empossadas no ano corrente enfrentam
problemas de ordem cultural, quer dizer, no campo dos costumes, para implantar um novo
modelo de gestão baseada na observância da lei erga omnes, ou seja: válida
para todos, gestores e população em geral.
Mudanças culturais, entretanto, são
sempre as mais lentas e a nossa cultura política parece ainda sofrer
influência, pelo menos em parte, da velhas máximas e práticas da velha política. Talvez isso se dê (apenas talvez) como desdobramento de que o
voto também ainda possa ser decidido, em alguns casos, pela expectativa de
vantagens e privilégios pessoais, e não de benefícios coletivos, da conquista
de direitos (Se isso é fato, em que medida ocorre?).
Diante desse possível retrato da
realidade e dos desafios da mudança, devem os novos gestores jogarem a toalha e
deixarem tudo como dantes no quartel de Abrantes? Se quiserem deixar a sua marca fazendo algo
diferente, não. Mas, ao mesmo tempo, considerando que não se muda a realidade e
a cultura política de um povo por decreto, resta a seguinte questão: quantas
casas é possível avançar nessa trajetória de mudança de cultura administrativa
contando com a compreensão e aceitação da população? É possível uma mudança de
cultura administrativa sem uma igual e concomitante mudança da cultura
política?
É sabido, desde Victor Nunes Leal
(Coronelismo, Enxada e Voto, 1948), que um traço da cultura política brasileira
está ligado as ideias de clientelismo (troca de favores) e ao patrimonialismo (uso
do poder público para fins privados), de modo que mesmo a redemocratização dos
anos de 1980 não exterminou completamente essa característica da nossa política, ainda que tenha sido capaz de, em alguma medida, diminuí-la. Outra questão que
a essa se associa é a precária formação política da população, já que, como é
vista como algo essencialmente ruim, a política como objeto de estudo científico-racional não faz parte da formação
escolar e nem mesmo universitária brasileira (salvo nos cursos específicos da
área), fato que pode ser observado pela característica do debate público nacional, desapartado de conceitos fundamentais do universo sociopolítico, minimamente necessários para uma tomada de consciência sobre a realidade.
Se for possível atribuir alguma validade
a essa análise preliminar até aqui exposta, a peleja do título desse breve escrito começa a
fazer sentido: É preciso mudar, mas qual a velocidade possível da mudança, dado
o fato do atual estágio da cultura política e dos costumes predominantes no
seio social? O poderoso exército norte-americano, por exemplo, não foi capaz,
com dinheiro, força e armas, de implantar a democracia no Afeganistão, por quê?
Por uma questão simples: a democracia é uma construção da cultura política do
povo; se a população não introjeta os seus valores (igualdade, liberdade,
legalidade, laicidade etc.), ela não vinga. Isso vale para qualquer outra
análise, inclusive para essa que se propõe e que é bem mais simples, dado o
fato de já sermos uma democracia.
Enfim, talvez a primeira e maior tarefa das
novas administrações seja comunicar de maneira clara e eficiente com a
população os fundamentos, os propósitos e os benefícios que as ações (e o modo
de agir) da nova gestão trarão em curto, médio e longo prazo para a cidade
coletivamente considerada. É preciso que os formadores de opinião da cidade
compreendam a lógica e o propósito do novo modelo para, convencidos da sua
validade, defendê-lo falando a mesma língua, esclarecendo a população em geral
para garantir a validade da proposta e o apoio popular ao novo governo. Audiências
públicas, plenárias populares, formação política da juventude, escuta da população,
dentre outras práticas formativas-comunicativas são essenciais para a validação
do novo modelo, pois o apoio popular necessário nas democracias é produto da
compreensão e da sua principal consequência: o convencimento.
Enfim, tratando-se de uma análise e,
portanto, apenas de uma leitura dentre muitas outras possíveis da realidade,
cabe as novas gestões avaliarem, em primeiro lugar se enxergam validade no que
foi exposto e, caso a resposta seja positiva, se possuem os instrumentos para dar
conta dessa tarefa, qual seja: promover uma comunicação política que seja esclarecedora,
formativa e capaz de conquistar, pela validade e acerto da proposta
apresentada, o convencimento e consequente apoio da população.
Lideranças locais com experiência administrativa
e/ou política são sempre uma fonte de conhecimento empírico da cultura política
de um dado povo ou comunidade, de modo que podem ser termômetros sociais do
movimento de mudança. Ao fim e ao cabo, o que as novas administrações que
desejam fazer esse movimento de mudança mais acentuada no modus operandi
da gestão e da política precisam avaliar é se, na base, estão dadas as
condições objetivas para tal mudança, ou seja: em que medida é possível, no
campo da cultura política, promover e consolidar novos e diferentes costumes,
tendo como fundamento e limite a observância da lei.