A questão da segurança pública é central na vida em
sociedade. É, na base, a própria razão fundante do pacto social. Valores como
liberdade, igualdade, integridade e propriedade são fortemente afetados quando
a insegurança torna-se regra, tal qual sugere a atual situação no Estado do Ceará.
A garantia dos direitos básicos, sobretudo educação, saúde,
moradia, transporte e emprego deve ser promovida pelo Estado junto com o direito a
integridade da vida, do corpo, da honra e do patrimônio. Sem isso, o caos vai
ganhando espaço no seio da coletividade. Políticas públicas de segurança não
podem prescindir de políticas de garantia de direitos, que atuam na perspectiva
da inclusão social e, portanto, da prevenção ao crime.
Da mesma forma, e
paralelamente, o Estado não pode deixar de dar uma resposta forte ao violador
da norma, aplicando com eficácia a pena adequada ao crime cometido. Para isso
precisa de polícias com capacidade investigativa (inteligência), equipes
suficientes (efetivo) e instalações e equipamentos adequados (estrutura). O
policiamento ostensivo e investigativo está na base da política de segurança
pública, pois é através dele que o criminoso recebe a mensagem do Estado: se
delinquir, será punido!
No centro, o sistema judicial precisa, tal qual as polícias
de uma estrutura adequada, com promotorias, varas criminais, advogados e
defensores públicos em número suficiente para atender a grande demanda da
judicialização da violência, para que a lei possa ser aplicada da forma e no
tempo necessário e razoável e isso, como no primeiro caso, demanda investimento.
Ainda mais, e aqui talvez esteja o ponto central da crise
na Terra dos Alencar, sem um sistema
prisional minimamente adequado, a conta não fechará e o problema da
criminalidade não estará sendo solucionado pelo Estado. No atual estágio dos presídios cearenses que tem capacidade para pouco mais de 11 mil vagas, mas que contam com uma população carcerária de
aproximadamente 21 mil presos, segundo dados de CNJ (Disponível em: hhttp://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87316-bnmp-2-0-revela-o-perfil-da-populacao-carceraria-brasileira),
não há expectativa de ressocialização e,
dessa forma, de retorno harmônico e pacífico do apeando a coletividade. É
ilusório acreditar que resolveremos a questão criminal sem resolvermos também a
falência do sistema prisional – e, sem investimento, isso não ocorrerá.
O cárcere tornou-se um espaço cuja os investimentos
públicos no Brasil não tiveram a devida atenção. Tanto no que se refere ao
número de vagas, quanto a estrutura física e as equipes multidisciplinares de
trabalho com formação específica. O resultado é que, com a onda crescente de
encarceramento o sistema ficou fora do controle dos Estados e se transformou em objeto
de barganha dos apenados que negociam regalias e ilegalidades de todas as
ordens em troca de uma aparente tranquilidade e domínio estatal da situação.
Prostituição, comercio de drogas, demarcação de territórios, uso de tv e celulares,
tudo isso é prática corrente na maior parte dos presídios tupiniquim. Nessas
condições, a prisão assume a condição de espaço privilegiado do crime, como
aponta Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/201cas-faccoes-criminosas-sao-subprodutos-do-aprisionamento-em-massa201d/),
bem como fonte inesgotável de recrutamento de novos membros dos grupos
criminosos: quanto mais se encarcera jovens por delitos banais (mulas do tráfico, pequenos gatunos e picaretas envolvidos em trambiques no comércio informal, alcoólatras, gente ligada a prostituição, etc), mais
contingente a disposição dos grupos criminosos se oferta – e a custo
zero...
Quando o Estado sinaliza com a possibilidade de quebrar tal
acordo tácito, como parece, em primeira impressão, ser o caso cearense atual (Ver: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/segurancapublica/novo-secretario-promete-fim-da-divisao-de-presidios-por-faccoes-no-ceara/)
a reação dos grupos criminosos geralmente é mandar recados às autoridades,
espalhando terror social e medo generalizado através de ataques a coletivos,
prédios públicos, serviços essenciais, etc (Ver matéria especial de Rafael
Iandoli no Nexo: Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/18/O-que-s%C3%A3o-as-maras-gangues-que-colocam-a-Am%C3%A9rica-Central-no-topo-do-ranking-de-homic%C3%ADdios-mundial).
É justamente isso o
que está acontecendo no Ceará!
Como se vê, a tarefa do Estado nesse momento de tensão
social e sensação generalizada de insegurança não é fácil, pois precisa atuar em
várias frentes concomitantemente e, para isso, precisa de uma política criminal
que não desconsidere os fatores multifocais da criminalidade e da inexorável
transversalidade das ações estatais e políticas públicas no combate à
criminalidade.
Aumentar os efetivos e prender, sobretudo criminosos violentos como homicidas, latrocidas, estupradores e torturadores (bem como chefes e financiadores granfinos dos tráficos de armas, drogas e pessoas) é importante, mas não é
suficiente. O combate á violência e a criminalidade não é apenas um problema de
polícia, mas, sobretudo, de políticas públicas sociais e estruturadoras. Fora
disso só fica o discurso bélico e punitivista que vem sendo replicado entre nós
há trinta anos, sem sucesso algum.
Imagem capturada em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/04/politica/1546621272_931510.html
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