Nessa sexta-feira 13 o Governo
de Pernambuco apresentou os dados da violência do mês de setembro, mais uma vez
alarmantes: já passamos das 4 mil mortes violentas em 2017!
Contudo, o debate
sobre essa gravíssima crise de segurança pública, que sempre volta a tona
quando os números vem a público, continua sendo conduzido pelas ideias e
propostas repressivas (mais polícia) e punitiva (leis mais duras), reduzindo o
problema a uma esfera na qual ele não será resolvido, como muito fartamente nos
mostram os exemplos na história recente do País e do próprio Estado. Nesse
sentido já alertava Renato Sérgio de Lima, ao dizer que “...a Constituição de 1988 acabou reproduzindo aquilo que Theodomiro
Dias Neto afirma como sendo a redução da política de segurança ao espaço da
política criminal, notadamente marcada pela intervenção penal (Dias Neto, 2005:
114), num processo de reificação e supremacia de um ponto de vista
criminilazidor na interpretação dos conflitos sociais, concentrador da
segurança pública no universo jurídico e policial e deslegitimador da
participação social e da contribuição de outros profissionais que não sejam do
campo jurídico” (1).
Nesse rápido post vamos trazer
ao debate algumas questões que estão relacionadas a violência urbana, mas que passam
ao largo dos debates e propostas sobre o tema em Pernambuco. Vamos nos valer para isso do estudo realizado conjuntamente
pelo CLP - Centro de Liderança Pública, a Tendências Consultoria e o Economist Intelligence Unit, intitulado “Ranking de Gestão e
Competitividade dos Estados”, que analisou a capacidade competitiva dos 26
estados brasileiros e do Distrito Federal por meio de 65 indicadores, subdivididos em 10 pilares ligados a eficiência e excelência na gestão. Iremos
analisar aqui apenas dois pilares: Sustentabilidade Social e Segurança Pública,
buscando algumas relações possíveis entre indicadores específicos de cada um
deles.
De início vamos contextualizar
Pernambuco nesses dois pilares: no pilar Sustentabilidade Social a média de
avaliação nacional foi de 51,0 pontos e a de Pernambuco foi de 36, 4, ficando
em 19º lugar entre os 27 Estados da federação. Já no pilar Segurança Pública a
média nacional foi de 42,6, enquanto Pernambuco ficou com nota 0,0, na última
colocação.
Vamos, então, a decomposição
de alguns indicadores que compõem esses pilares e as suas correlações possíveis
(2). Compre desde logo dizer que com dois pontos fora da linha para cada lado,
em regra os dados positivos de sustentabilidade social coincidem com os dados
positivos de segurança pública, sendo o inverso também observado. Por exemplo,
quando comparamos os pilares diretamente, percebemos que os Estados melhor avaliados
na sustentabilidade social também tendem a ser melhor avaliados no pilar
segurança pública:
ESTADO
|
SUST. SOCIAL
|
SEG. PÚBLICA
|
SANTA
CATARINA
|
1º
|
1º
|
SÃO
PAULO
|
2º
|
2º
|
RIO
GRANDE DO SUL
|
3º
|
6º
|
DISTRITO
FEDERAL
|
4º
|
9º
|
PARANÁ
|
5º
|
4º
|
MINAS
GERAIS
|
6º
|
8º
|
RIO
DE JANEIRO
|
7º
|
16º
|
ESPIRITO
SANTO
|
8º
|
10
|
MATO
GROSSO DO SUL
|
9º
|
5º
|
GOIAIS
|
10º
|
22º
|
MATO
GROSSO
|
11º
|
18º
|
RONDONIA
|
12º
|
12º
|
RIO
GRANDE DO NORTE
|
13º
|
17º
|
TOCANTINS
|
14º
|
10º
|
BAHIA
|
15º
|
23º
|
PARAÍBA
|
16º
|
13º
|
SERGIPE
|
17º
|
26
|
CEARÁ
|
18º
|
24º
|
PERNAMBUCO
|
19º
|
27º
|
RORAIMA
|
20º
|
7º
|
PIAUÍ
|
21º
|
14º
|
AMAPÁ
|
22º
|
21º
|
PARÁ
|
23º
|
20º
|
ACRE
|
24º
|
3º
|
AMAZONAS
|
25º
|
19º
|
ALAGOAS
|
26º
|
25º
|
MARANHÃO
|
27º
|
19º
|
Dos 27 Estados apenas 4 (Acre,
Roraima, Rio de Janeiro e Goiás) apresentam números comparativos que destoam da
regra, qual seja: os índices de sustentabilidade social relacionam-se em alguma
medida com os índices da segurança pública.
Estratificando os pilares e
analisando de maneira relacional alguns dos indicadores específicos chegamos a
resultados praticamente idênticos do apresentado no gráfico acima. Por exemplo,
quando comparamos o IDH com o indicador de segurança pessoal chegamos a seguinte tabela:
ESTADO
|
IDH
|
SEG. PESSOAL
|
DISTRITO
FEDERAL
|
1º
|
7º
|
SÃO
PAULO
|
2º
|
1º
|
SANTA
CATARINA
|
3º
|
2º
|
PARANA
|
4º
|
8º
|
RIO
GRANDE DO SUL
|
5º
|
9º
|
RIO
DE JANEIRO
|
6º
|
12º
|
ESPIRITO
SANTO
|
7º
|
17º
|
MINAS
GERAIS
|
8º
|
5º
|
MATO
GROSSO
|
9º
|
20º
|
MATO
GROSSO DO SUL
|
10
|
6º
|
GOIAS
|
11º
|
21º
|
AMAPÁ
|
12
|
15º
|
TOCANTINS
|
13º
|
11º
|
RORAIMA
|
13º
|
3º
|
ACRE
|
15º
|
10º
|
RIO
GRANDE DO NORTE
|
16º
|
23º
|
CEARÁ
|
17º
|
25º
|
RODÔNIA
|
18º
|
14º
|
AMAZONAS
|
19º
|
16º
|
PERNAMBUCO
|
19º
|
22º
|
BAHIA
|
21º
|
19º
|
PARAÍBA
|
22º
|
18º
|
SERGIPE
|
23º
|
27º
|
PIAUÍ
|
24º
|
4º
|
MARANHÃO
|
24º
|
13º
|
PARÁ
|
26º
|
24º
|
ALAGOAS
|
27º
|
26º
|
Nessa comparação, Mato Grosso
e Piauí saem mais consistentemente da regra.
Outros índices relevantes do
Estado de Pernambuco aferidos pelo estudo no pilar da sustentabilidade social e
segurança pública são os seguintes:
à Inserção
econômica da juventude: 26º lugar (penúltima colocação entre os
27 Estados);
à Morte
precoce (considerado óbito ocorrido na faixa etária de 15 a 29 anos – jovens): 21º Lugar,
ficando a frente apenas de Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas e
Sergipe);
à Famílias
a baixo da linha de pobreza: 20º lugar;
à Segurança
alimentar: o 23º lugar, sendo superado apenas por
Maranhão, Ceará, Piauí e Alagoas;
à
Segurança patrimonial: 18ª colocação;
à
Mortes a esclarecer: penúltima colocação, 26ª;
à Déficit
carcerário: Último lugar, 27º.
Não por acaso o grosso da taxa
de CVLI’s (Crimes Violentos Letais Intencionais) no Estado é composta por
vítimas jovens, sem emprego e moradores de áreas de altíssima vulnerabilidade
social, marcadas pela ausência do poder público na garantia de direitos básicos
como saneamento, educação e saúde, qualificação para o emprego, lazer e
cultura, transporte etc. O mesmo se diga da nossa população carcerária,
composta majoritariamente por indivíduos com o mesmo perfil (jovem, pobre,
negro...), como pode ser observado no relatório da Secretaria Executiva de
Ressocialização do Estado (3).
O GT de Racismo do Ministério
Público de Pernambuco repercutiu os dados apresentados pelo “Relatório Índice
de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014”, elaborado
pela UNESCO, que indica a juventude negra entre 12 e 29 anos como a principal
vítima da violência no País - Pernambuco ocupa a 3a posição no índice de Violência
contra o jovem negro, ficando atrás apenas de Alagoas e Paraíba – aqui em terras
pernambucanas o risco de morte de um jovem negro é 11,57 vezes maior do que o
observado em ralação a um jovem branco (4).
Como se nada do que foi aqui
colocado tivesse a ver com o quadro de violência do Estado, os debates em torno
da política de segurança pública continuam sendo pautados pelo binômio
polícia - lei. A chance dessa fórmula trazer resultados concretos para a solução
do problema é muito reduzida, vez que desconsidera a compreensão da segurança pública
sob o viés mais amplo da segurança cidadã, da garantia de direitos e da
inclusão social.
Talvez seja a hora de
repensar: mais polícia e leis mais severas são capazes de mudar o quadro da
violência sem que tenham o condão de mudar precipuamente o quadro social na
qual estão inseridas?
Insistir na velha fórmula representa
verdadeira perda de tempo, dinheiro e vidas. Pense nisso!
Isaac Luna
(1) LIMA, Renato Sérgio.
Segurança Pública e os 20 Anos da Constituição Cidadã. In: Entre
Palavras e Números – Violência, Democracia e Segurança Pública no Brasil.
São Paulo: Alameda, 2011. p. 29.
*Imagem ilustrativa capturada em: http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/rondajc/2017/01/25/pernambuco-atinge-maior-indice-de-homicidios-desta-decada-afirma-criador-do-pacto-pela-vida/